Minutos depois da votação do seu nome no Parlamento Europeu em Estrasburgo, as primeiras palavras da presidente eleita da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, foram dedicadas aos líderes que a escolheram. Prometeu “trabalhar construtivamente com todos os chefes de Estado e de Governo” para a criação de uma equipa “totalmente dedicada em melhorar e fortalecer a União Europeia”.
No entanto, segundo avançou o Público esta segunda-feira, Ursula von der Leyen afirmou também que não vai abdicar do seu objetivo de um novo colégio de comissários paritário, “com o mesmo número de homens e mulheres sentados à mesa”.
“Quero renovar o meu apelo para me enviarem os melhores nomes”, disse a futura presidente da Comissão Europeia, que nas duas curtas semanas que separaram a sua nomeação da sua confirmação, avisou os governos nacionais que deviam indicar-lhe duas hipóteses – um homem e uma mulher – para dispôr das melhores opções na composição da sua equipa de comissários e na distribuição das pastas do próximo executivo comunitário.
Esta pressão coloca perante um dilema os líderes europeus que ainda não formalizaram a sua escolha, como é o caso de António Costa. O primeiro-ministro português nunca desmentiu as notícias sobre a sua aposta para o cargo de comissário europeu responsável pela política regional ser o eurodeputado socialista Pedro Marques.
Numa entrevista à Rádio Observador, na sexta-feira, António Costa não se comprometeu com nada, mas apresentou como critério geral a obtenção de uma pasta que diga diretamente respeito aos interesses portugueses.
Portugal já teve pastas que se revelaram importantes e comissários que se tornaram muito relevantes, como aquela que António Vitorino criou de raiz – a dos Assuntos Internos e da Justiça -, ou Carlos Moedas, com a pasta da Ciência e da Inovação. Mas há pelouros na Comissão que dizem mais diretamente respeito aos interesses do país, explicou o primeiro-ministro, que também lembrou que quer negociar primeiro a pasta e depois quem tem o melhor perfil para ocupá-la.
Uma equipa num mês
Segundo o secretariado do Conselho da UE, o processo de nomeação deve estar concluído na última semana de agosto: o prazo fixado para os Estados membros apresentarem as suas propostas termina a 26 de agosto, para dar margem de manobra à futura presidente da Comissão para negociar os nomes e os respetivos portfólios antes do reinício dos trabalhos no Parlamento Europeu (onde se desenrolam as audições dos comissários e a posterior votação da Comissão, em setembro e outubro).
Ursula von der Leyen tem portanto pouco mais de um mês para organizar a sua equipa, mas o seu trabalho não começa no zero.
O mesmo acordo dos 28 que culminou na eleição da alemã como presidente da Comissão incluiu os nomes de Frans Timmermans e Margrethe Vestager como vice-presidentes, e ainda Josep Borrell como Alto Representante para a Política Externa – o que dispensa a chanceler Angela Merkel e os líderes de três países de designar comissários: a Holanda, a Dinamarca e a Espanha, respetivamente.
Naturalmente, Ursula Von der Leyen não pôs em causa o entendimento saído do Conselho relativamente à distribuição dos cargos de topo das instituições europeias pelas principais famílias políticas, e até já confirmou que o socialista holandês e a liberal dinamarquesa serão ambos primeiros vice-presidentes na sua Comissão.
Em relação às pastas que os dois poderão assumir, preferiu não abrir o jogo, para além de se declarar “favorável” a que Frans Timmermans mantenha a responsabilidade pela vigilância do Estado de Direito, “se for esse o seu desejo”.
Além dos três nomes que vieram do Conselho Europeu, a próxima presidente de Comissão Europeia já dispõe de uma lista com pelo menos outras 11 entradas. Esse é o número de países que avançaram as suas propostas: Áustria, Bulgária, Hungria, Eslováquia, Finlândia, Estónia, Letónia, Eslovénia, Irlanda, Luxemburgo e Grécia. Os gregos já confirmaram a indicação de Margaritis Schinas, porta-voz do atual presidente da Comissão Europeia, Jean-Claude Juncker, para um lugar no colégio.
Entre todos os nomes indicados, só se encontram os de três mulheres: a búlgara Mariya Gabriel (atual comissária com a pasta do Digital), a finlandesa Jutta Urpilainen (antiga ministra das Finanças) e a estónia Kadri Simson (que foi responsável pelo ministério da Economia). As três foram nomeadas antes da eleição de Ursula von der Leyen pelo Parlamento Europeu.
Algumas capitais decidiram renovar a confiança nos mesmos comissários: o austríaco Johannes Hahn, o letão Valdis Dombrovskis, o irlandês Phil Hogan e o eslovaco Maros Sefcovic. A opção da Eslovénia também pode ser descrita como uma aposta na continuidade: Janez Lenarcic, um veterano diplomata e conselheiro governamental, transita do cargo de representante permanente do seu país junto da UE para a Comissão Europeia.
Já a Hungria decidiu renovar o seu representante, que poderá ser o eurodeputado do Fidezs Laszlo Trocsanyi, que deixou o cargo de ministro da Justiça para concorrer ao Parlamento Europeu.
Também o Luxemburgo apresentará uma cara nova, com a partida de Jean-Claude Juncker de Bruxelas. A escolha recaiu no antigo ministro do Emprego, Nicolas Schmit, que também já exerceu um mandato de eurodeputado. O nome do socialista fez parte do “pacote” de cargos distribuídos durante as negociações para a composição da coligação de Governo pelos três partidos mais votados nas eleições de outubro de 2018 naquele país.
Até agora, só três mulheres
A presidente eleita ainda não se pronunciou de forma favorável ou negativa sobre qualquer dos nomes que já estão em cima da mesa. Mas seguramente quebrará o silêncio se continuarem a chegar-lhe apenas candidatos masculinos, como até agora.
Excluindo os três nomes que vieram do Conselho, o cenário atual volta a tender para o lado dos homens. Nenhum dos oito países que escolheu um comissário masculino se mostrou disponível para rever a nomeação.
Questionada sobre a sua disposição para enfrentar os líderes e rejeitar as suas nomeações, Ursula Von der Leyen garantiu que não hesitaria em fazê-lo para assegurar o prometido equilíbrio entre homens e mulheres. E talvez para que os chefes de Estado e Governo entendessem que pode não valer a pena desafiá-la, lembrou que não há qualquer regra escrita sobre a distribuição das pastas mais importantes, que é sua prerrogativa.
Defensora das quotas, Ursula von der Leyen promete distribuir os diferentes portfolios de forma as mulheres escolham primeiro que os homens, o que pode comprometer as aspirações de vários dos Estados-membros que querem arrecadar as pastas mais desejadas: orçamento; assuntos económicos e financeiros, comércio, concorrência ou, depois do sucesso dos Verdes nas eleições europeias, ambiente e ação climática.
O Governo francês, por exemplo, ainda não fez a sua aposta, embora o Presidente, Emmanuel Macron, já tenha manifestado interesse na pasta do comércio – agora nas mãos da sueca Cecília Malmström. A França é um dos países que deverá avançar apenas o nome de uma mulher.
Outros, como a Republica Checa (que ainda não decidiu se mantém a atual comissária da Justiça, Vera Jourova), a Suécia, a Polónia e a Roménia também deram a entender que vão atender ao pedido de Ursula Von der Leyen. Se o fizerem, o número de mulheres passa a nove (ou dez, se incluirmos a presidente da Comissão). É o mesmo número de mulheres da atual Comissão Juncker, que em 2014 também pediu aos líderes que lhe fizessem chegar dois nomes para promover a igualdade.
Na sua primeira conferência de imprensa depois de eleita, a futura presidente da Comissão Europeia revelou que além de almejar a paridade de homens e mulheres, também pretende aproveitar o processo de distribuição de pastas para “reconhecer apropriadamente a importância do Leste” da Europa – isto depois de nenhum dos países de Leste europeu ter sido contemplado com um dos cargos de chefia da UE, apesar das promessas de “equilíbrio geográfico e demográfico” dos líderes.