Rafael, Laura, Beatriz e Célia tocam numa sala da escola de São Bartolomeu, em Coimbra, com a ajuda de uma caneta e de violinos de cartão, personalizados, à espera do dia em que possam tocar num “violino a sério”.
Os quatro alunos pertencem ao projeto Orquestra Geração, promovido pelo Conservatório de Música de Coimbra (CMC) e implementado em 2011, que dá formação musical a 115 crianças no concelho, a sua maioria de contextos socioeconómicos mais desfavorecidos, em que “o importante não é serem músicos, mas fazerem música e sentirem-se felizes a fazê-lo”, explicou a professora Catarina Flora.
Os seus alunos da escola do 1.º ciclo de São Bartolomeu agarram no violino de cartão como se fosse um real, escolhem a caneta, que dá lugar ao arco do violino, sentam-se na postura correta, ajeitam a posição das canetas e começam a cantar enquanto movimentam a caneta, solfejando a canção.
No final, pousam o violino e a caneta na perna, levantam-se, fazem uma vénia de agradecimento e voltam a sentar-se “como se estivessem na orquestra“.
Os instrumentos disponíveis no Conservatório não são suficientes para serem usados nas aulas da Orquestra Geração, tendo os alunos de Catarina tocado pela primeira vez num violino em fevereiro.
“Nem queriam passar o violino para o colega do lado”, comentou a professora.
Rafael, Laura, Beatriz e Célia saltam enquanto tentam descrever o momento: “Adorámos“, dizem quase em coro.
Catarina recorda que nas aulas, mesmo com os violinos de cartão, os alunos já lhe tentaram “mudar as horas do relógio para terem mais dez minutos de aula”.
Este sábado, os alunos de Catarina Flora levam os seus instrumentos de cartão e juntam-se com os restantes colegas de outras turmas e escolas de Coimbra para um concerto da “orquestra de papel“, no CMC, pelas 17h00, de forma a angariarem fundos para a compra de mais instrumentos.
Alguns dos alunos vão levar violoncelos e violinos, como a turma de violoncelo de Teresa Nogueira, que há três anos dá aulas às mesmas cinco jovens do Planalto do Ingote, que agora aprendem no Conservatório, todas as quintas-feiras.
“Sentimos que estamos a dar uma nova esperança, uma luz ao fundo do túnel. Aqui, estas crianças sentem-se valorizadas, sentem-se úteis”, afirmou.
Mariana, de 14 anos, nota que está “mais calma” desde que começou a aprender música, recordando também que dantes “nem sabia o que era um violoncelo”, assim como Andreia, que diz “gostar das aulas” e do “tempo livre” que ali passa.
Segundo Catarina Peixinho, coordenadora do projeto, a orquestra necessitava de um “maior apoio no transporte” e de mais financiamento para poderem ser adquiridos instrumentos.
Os atrasos no concurso de professores deste ano levaram também a que as aulas começassem apenas em fevereiro, o que levou a que “os miúdos andassem sempre a perguntar quando começava”, referiu.
“Se não fôssemos nós, eles nunca teriam contacto com esta realidade”, disse Catarina Peixinho, sublinhando que o projeto pretende ser “um caminho alternativo” para os alunos, tornando-os “mais sensíveis e ligados à sociedade”.
O projeto da Orquestra Geração é inspirado no sistema nacional das Orquestras Juvenis e Infantis da Venezuela, criado nos anos 1970 para crianças e jovens de bairros desfavorecidos.
Em Portugal, a Orquestra Geração surgiu em 2007 por iniciativa conjunta da Escola de Música do Conservatório Nacional, da Câmara Municipal da Amadora e da Fundação Calouste Gulbenkian, com o apoio do Fundo Social Europeu.
/Lusa