Com a casa inabitável depois de parcialmente destruída pelo fogo que em agosto consumiu parte da serra de Monchique, Maria Francisca e Vitorino desesperam por apoio para voltarem à casa que ocupavam há 25 anos.
Ao quarto dia de incêndio, as chamas alastraram-se a Silves e começaram a dirigir-se para o Pico da Fóia, o ponto mais alto do Algarve, a poucos quilómetros da vila, apanhando pelo caminho a habitação do casal, em Corte Pereiro. Apesar de não ter destruído a casa, o fogo propagou-se ao telhado e acabou por destruir por completo o anexo onde estavam guardados mantimentos para o inverno, máquinas e alfaias agrícolas.
“Ninguém sabe o que estamos a viver. Levámos uma vida a trabalhar e tínhamos tudo em condições”, lamenta Maria Francisca Martins, que diz que desde o incêndio “nunca mais dormiu uma noite em condições”.
Logo após o fogo, o casal ainda arriscou dormir umas noites em casa, mas as condições de habitabilidade pioraram e passou a ser impossível ficar lá. Desde que começou a época das chuvas a situação agravou-se, pois chove “em todo o lado”.
“Foi pior a chuva agora do que o fogo. O meu marido e o meu genro taparam a casa com plásticos, mas aquilo vai-se tirando e a casa vai rachando. Não tivemos a ajuda de ninguém”, desabafa.
A habitação do casal de sexagenários integra o grupo de 52 elegíveis para a obtenção de apoios, mas até agora nada chegou e a angústia vai aumentando à medida que a casa se vai degradando por falta de proteção no telhado. “A câmara diz que está à espera, mas nunca mais serve de nada. Pensava que iam fazer alguma coisa”, afirma Vitorino.
Enquanto a ajuda para apoio à reconstrução não chega, o casal está a arrendar uma pequena casa a um quilómetro dali, mas é na sua casa que passam a maior parte dos dias, onde deixaram os cães e onde têm grande parte dos seus bens.
Maria Francisca e Vitorino são uma das 66 famílias que estão a ser apoiadas pela Loja Social do município, que presta ajuda alimentar e assegura outros bens não só às vítimas do incêndio como a outras famílias com graves carências económicas.
“A Loja Social começou por apoiar só as vítimas do incêndio, mas depois, devido ao excesso de bens, começámos também a apoiar algumas famílias que têm graves carências económicas”, explica à Lusa a vice-presidente da Câmara de Monchique.
Ali, as pessoas podem ir buscar roupa e calçado, todo o tipo de alimentos, produtos de higiene e medicamentos não sujeitos a receita médica, pequenos eletrodomésticos, louças e até mobílias. Segundo Arminda Andrez, quem teve perda total das habitações poderá depois ter acesso a mobiliário e eletrodoméstos novos, através da Cáritas.
Para quem teve apenas perda parcial, sem direito a apoios, existe ainda a possibilidade de usar materiais de construção doados por empresas nacionais que a autarquia tem armazenados nos seus estaleiros.
Mas a ajuda não chega só de Portugal: desde o início do fogo que um grupo de famílias se uniu na Bélgica e tem enviado remessas de roupa e outros bens em camiões para apoiar as vítimas do incêndio.
Reconstrução de casas em Monchique permanece num impasse seis meses depois
A reconstrução das casas danificadas ou destruídas no grande incêndio de Monchique, há seis meses, permanece num impasse, havendo casos em que é obrigatório apresentar projetos de arquitetura, o que está a atrasar o processo.
Em declarações à Lusa, o presidente da Câmara de Monchique reconhece que “o maior problema” é que o grau de destruição de algumas casas está a obrigar a ir além de uma simples reconstrução e a apresentar um conjunto de projetos, que depois ainda têm de ser submetidos a apreciação pelas entidades envolvidas.
Outro das preocupações do autarca do distrito de Faro tem a ver com um decreto-lei publicado em janeiro que estipula, para a implantação das casas, uma distância mínima de 50 metros do terreno florestal confinante, critério que levou o Instituto de Conservação da Natureza e das Florestas (ICNF) a dar parecer negativo a metade das 52 habitações elegíveis aos apoios.
No entanto, segundo Rui André, boa parte das pessoas que viram as suas casas destruídas ou danificadas nos fogos do ano passado estão “conscientes” de que “é preferível perder algum tempo e fazer as coisas bem feitas do que cometer os mesmos erros cometidos nos incêndios de 2017″.
A construção de casas com materiais mais resilientes, para fazer face aos incêndios, mas também a outras catástrofes naturais, é um dos objetivos da autarquia, que quer lançar um concurso nacional para a criação de um projeto modelo e está a promover a criação de uma bolsa de arquitetos.
“Temos vontade em avançar com um protocolo [com a Ordem dos Arquitetos], já aprovado em reunião de câmara, com o objetivo de criar uma bolsa de arquitetos que possa dar apoio na reconstrução das casas”, referiu, esperando que isso possa ajudar a facilitar os processos e a baixar os preços dos projetos.
A Câmara está agora empenhada em fazer a limpeza das bermas e também na criação de faixas de interrupção de combustível, trabalho que está a ser dificultado por alguns proprietários se recusarem a deixar passar as faixas nos seus terrenos e também por objeções das empresas de celulose, que não permitem o corte de árvores.
// Lusa