Cientistas norte-americanos descobriram novas evidências sobre a criação da poeira estelar, através da observação de uma nebulosa misteriosa localizada a 15 mil anos-luz da Terra, que permitem contestar a teoria de que este material apenas seria formado na ocorrência de potentes explosões nucleares.
No início dos anos 80, o astrónomo Carl Sagan disse, durante um dos episódios da série Cosmos, que o ser humano é um “meio para o Universo se conhecer a si próprio, feito de matéria estelar”. No entanto, a formação do pó das estrelas tem sido um mistério ao longo do tempo. A investigação recentemente divulgada pode ajudar a entender melhor a sua (e a nossa) criação.
“Quando as estrelas morrem, estas projetam para o Universo ao seu redor elementos que formam novas estrelas, planetas, asteróides e cometas. Quase tudo o que compõe a Terra, até mesmo a própria vida, é composto por elementos de estrelas anteriores, como o silício, o carbono, o nitrogénio e o oxigénio”, lê-se num artigo divulgado pela Universidade do Arizona (Estados Unidos), em dezembro de 2018.
Mas essa não é toda a história. Segundo os responsáveis pelo estudo, publicado na Nature perto da mesma data, “os meteoritos contêm vestígios de um tipo de poeira estelar que, até agora, acreditava-se que se formasse apenas em eventos excecionalmente violentos e explosivos de morte estelar, conhecidos como nova e supernova“.
[boxright]Uma nebulosa planetária consiste numa concha de gás, brilhante, formada por estrelas em fim de vida. É um fenómeno de curta duração (alguns milhares de anos) quando comparado com o tempo de vida estelar típico (alguns milhares de milhões de anos).[/boxright]
Contudo, na opinião da equipa, esses fenómenos são muito raros para explicar a quantidade de matéria estelar encontrada nos meteoritos, sugerindo que a mesma pode ter sido produzida pela instabilidade sofrida por uma estrela de tamanho médio no final de vida, como é o caso da nebulosa planetária K4-47.
Acredita-se que a K4-47 tenha sido criada no momento em que uma estrela semelhante ao Sol verteu parte do seu material numa concha de gás, antes de entrar no fim de vida e se transformar numa anã-branca.
De forma a observar as nuvens de gás presentes nesse objeto astronómico, os investigadores recorreram a radiotelescópios do Arizona Radio Observatory e do Instituto de Radioastronomia Millimetria (IRAM).
A equipa descobriu que alguns dos elementos que compõem a nebulosa – carbono, nitrogénio e oxigénio – são “altamente enriquecidos” com as suas variantes pesadas – carbono 13, nitrogénio 15 e oxigénio 17 -, raros no Sistema Solar e que diferem da sua forma convencional por conterem um neutrão extra no núcleo.
A fusão de um neutrão adicional num núcleo atómico requer temperaturas extremas, acima de 200 milhões de graus Fahrenheit (cerca de 111 milhões de graus Celsius), o que levou muitos cientistas a acreditar, até à data, que esses isótopos apenas poderiam ser formados em novas ou supernovas.
No entanto, disse Lucy Ziurys, principal autora do artigo, “os modelos que invocam apenas as novas e supernovas nunca poderiam explicar as quantidades de nitrogénio 15 e de oxigénio 17 que observamos em algumas amostras de meteoritos”.
De acordo com a cientista, o facto de terem sido encontradas quantidades semelhantes desses isótopos na nebulosa K4-47 mostra que “não são necessárias estrelas exóticas para explicar a origem da poeira estelar”.
No lugar de eventos explosivos cataclísmicos, a equipa sugere então que os isótopos pesados possam ter sido produzidos durante um fenómeno denominado flash de hélio, que pode ocorrer no fim de vida das estrelas.
“Esse processo, durante o qual o material é expelido e arrefecido rapidamente, produz carbono 13, nitrogénio 15 e oxigénio 17”, explicou Lucy Ziurys. “Um flash de hélio não rasga a estrela como uma supernova. É mais como uma erupção estelar”, acrescentou.
“Podemos pensar nos grãos encontrados nos meteoritos como cinzas estelares, deixados para trás por estrelas que morreram há muito tempo, quando o nosso Sistema Solar se formou”, disse Tom Zega, professor no Lunar and Planetary Laboratory, da Universidade do Arizona.
Para Neville Woolf, professor no Steward Observatory e um dos autores do artigo, o “estudo do hélio explosivo que queima dentro de estrelas levará a um novo capítulo na História da origem dos elementos químicos”.
“Agora podemos rastrear de onde vieram essas cinzas. É como uma arqueologia da poeira estelar”, acrescentou a investigadora Lucy Ziurys.
Além de ajudar a identificar e caraterizar a poeira estelar, os resultados obtidos pela equipa podem ser utilizados para compreender a criação de elementos como oxigénio, nitrogénio e carbono por parte das estrelas comuns.
Apesar das descobertas, desde as mais antigas às mais recentes, e quatro décadas após as declarações de Sagan, continua a ser incrível pensar que os materiais que compõem as nossas células vieram de algum lugar do céu.