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Autarca de Borba reitera que desconhecia riscos e não se demite. Seria “falta de vergonha”

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Nuno Veiga / Lusa

O presidente da Câmara de Borba, António Anselmo, reafirmou nesta terça-fira que desconhecia os riscos de colapso da estrada, lamentando que o alerta da antiga Direção Regional de Economia do Alentejo, em 2014, tenha sido encaminhado para Lisboa.

“Se um documento que saiu” da antiga Direção Regional de Economia do Alentejo “foi para Lisboa, eu pergunto porque é que não veio para Borba. Não sei, não veio para Borba”, afirmou. “Se viesse para Borba”, sublinhou, “como devem calcular, é evidente que tomava uma posição, todas as outras conversas que houve, a seguir, nada decidiram”, disse o autarca, em declarações aos jornalistas, na tarde de ontem em Borba.

A antiga Direção Regional de Economia do Alentejo alertou, em finais de 2014, o então Governo e a Câmara de Borba para o risco de colapso da estrada 255, segundo revelou à agência Lusa fonte ligada ao processo.

De acordo com a mesma fonte, a informação foi enviada, a 1 de dezembro de 2014, por correio eletrónico, ao Governo da altura (PSD/CDS-PP) pelos serviços da então Direção Regional de Economia (DRE), depois de uma reunião realizada dias antes no município alentejano. O documento, reportando ao encontro mantido na autarquia, foi enviado pelo último diretor regional de economia do Alentejo, João Filipe Jesus, para o gabinete do então secretário de Estado da Energia, Artur Trindade, e para a Direção-Geral de Energia e Geologia (DGEG), revelou a fonte.

Esta informação, acrescentou a fonte, incluía também um documento “de 22 páginas” que “descrevia os perigos” naquela estrada e que incluía fotografias, que já tinha sido apresentado na reunião mantida na câmara.

António Anselmo, eleito pelo Movimento Unidos por Borba (MUB), considerou, por outro lado, que este não é o momento de “arranjar” culpados, numa fase em que o “mais fácil” é apontar responsabilidades ao autarca por ser “o mais fraco” em todo este processo.

“Não vamos tentar agora arranjar culpados. Mais fácil qual é que é? O presidente da câmara, não é? É o mais fraco naturalmente”, disse.

Os alertas feitos pela DRE à câmara sobre a estrada 255 “ecoaram” na reunião da Assembleia Municipal de Borba que teve lugar a 27 de dezembro de 2014, de acordo com a respetiva ata, disponível na página do município e consultada pela agência Lusa.

O presidente do município, questionado pelo deputado socialista Celso Ramalho, admitiu que, “uns meses” antes, tinha sido informado “por uns empresários dos mármores” de que “um estudo” da DRE reportava “que a estrada estava em perigo” e, depois, “toda a vereação” do município reuniu com elementos deste organismo, tendo-lhe sido “explicado o assunto referido”.

O autarca, apelando a “um pouco de bom senso nestas situações”, lembrou tratar-se de “um problema” que se arrastava “há 10 anos” e questionou: “Agora é que está em perigo de cair?”.

“A estrada só vai ser derrubada se estiver mesmo em perigo”, disse, na altura, admitindo que, se a câmara tivesse “informações concretas dos técnicos sobre o verdadeiro perigo ali instalado” poderia “limitar o trânsito de pesados” na estrada, mas o assunto teria de “ser estudado com muita cautela” e basear-se “em factos técnicos muito grandes”.

António Anselmo expressou a intenção de, em janeiro de 2015, marcar uma “conferência explicativa sobre a situação” no cineteatro, com a DRE, empresários do setor e outros interessados, mas esta não chegou a ser realizada.

Questionado nesta terça-feira pelos jornalistas, António Anselmo assumiu que o caso da estrada foi debatido pela Assembleia Municipal de Borba, depois de uma reunião que foi “inconclusiva”. “Acredito que a justiça está a investigar como deve de investigar e, naturalmente, depois da justiça investigar cá estaremos para assumir, se tivermos que assumir ou não a responsabilidade”, disse.

“Eu penso que a culpa não deve morrer sozinha”, acrescentou o autarca independente, assegurando que seria a “primeira pessoa” a fechar a estrada, caso tivesse conhecimento dos riscos da via. “Nunca acreditei que aquilo [estrada] viesse a cair”, reafirmou.

Seria “falta de vergonha” demitir-se

António Anselmo afirmou também nesta terça-feira em declarações aos jornalistas que seria “uma falta de vergonha” da sua parte demitir-se do cargo que ocupa na autarquia de Borba, descartando para já uma possível demissão.

“O acidente deu-se a 19 de novembro, dia trágico para a minha terra, dia trágico para aquelas famílias que perderam os familiares, dia trágico para aquelas pessoas que ainda não recuperaram os corpos, portanto seria uma falta de vergonha da minha parte se eu abandonasse”, disse o autarca.

O autarca considerou que “seria fácil” colocar o lugar à disposição, numa altura em que decorrem as operações de socorro em duas pedreiras, onde morreram duas pessoas e, pelo menos, três estão dadas como desaparecidas. “Condições [para manter mandato], claro que tenho”, declarou, afiançando que as terá “sempre”.

“Não vale a pena dizer que quem se demite” são “os fracos”. “Eu estou cá e assumo enquanto tiver de assumir a responsabilidade do município”, frisou. “Enquanto eu estiver aqui, assumo, claramente, aquilo que estou a fazer e, portanto, demitir é próprio dos fracos e eu estou cá para lutar sempre pela minha terra”, sublinhou.

O deslizamento de um grande volume de terras na estrada 255 provocou, no passado dia 19, a deslocação de uma quantidade significativa de rochas, de blocos de mármore e de terra para o interior de duas pedreiras contíguas, causando a morte de dois trabalhadores de uma empresa de extração de mármores — cujos corpos já foram recuperados — e, pelo menos, três desaparecidos, que seguiam em dois automóveis.

O Ministério Público instaurou um inquérito para apurar as circunstâncias do acidente, que é dirigido pelo Departamento de Investigação e Ação penal (DIAP) de Évora, e duas equipas da Polícia Judiciária estão a proceder a averiguações.

O Governo pediu uma inspeção urgente ao licenciamento, exploração, fiscalização e suspensão de operação das pedreiras situadas na zona de Borba.

Ainda nesta terça-feira, o ministro do Ambiente e da Transição Energética, João Pedro Matos Fernandes, garantiu que até ao final do ano serão identificadas todas as pedreiras do país que possam constituir um risco.

“Hoje posso garantir que, até ao final do ano, vamos conseguir ter identificadas todas as pedreiras – independentemente de estarem corretamente licenciadas -, que podem constituir um risco para infraestruturas que estejam na envolvente ou até para os terrenos confinados”, disse o ministro em Almada, no distrito de Setúbal.

ZAP // Lusa

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