A Provedora de Justiça Europeia recomendou que a contratação de Durão Barroso pelo Goldman Sachs seja reavaliada pelo comité de ética da Comissão Europeia, após um encontro do ex-presidente com o comissário Jirky Katainen.
“Depois de um ano de inquérito, e à luz do recente encontro entre o antigo presidente da Comissão e um atual vice-presidente da Comissão Europeia, registado como uma reunião oficial com o Goldman Sachs, a ‘Ombudsman’ (provedora) recomenda que o caso seja reenviado para o Comité de Ética da Comissão”, considerou Emily O’Reilly, num documento a que a Lusa teve hoje acesso.
Na recomendação, a Provedora de Justiça Europeia considerou que o comité de ética poderá reavaliar se a contratação de Durão Barroso pelo Goldman Sachs” Internacional é compatível com os seus deveres ao abrigo do artigo 254″ do Tratado de Funcionamento da União Europeia (TFUE).
Ao executivo comunitário é ainda aconselhado que “considere requerer ao seu antigo presidente que se abstenha de fazer lóbi junto da Comissão durante alguns anos”. Bruxelas tem até dia 6 de junho para responder à provedora.
As recomendações da provedora têm em conta a divulgação de um encontro entre Barroso e Jirky Katainen em outubro de 2017, sublinhando que o executivo comunitário – após nova consulta ao Comité de Ética por causa do compromisso assumido por Barroso de não fazer atividade de lóbi – tome uma decisão formal sobre se a contratação pelo banco norte-americano viola o referido artigo do TFUE.
Emily O’Reilly salienta ainda, nas recomendações do seu relatório, que Bruxelas “considere se é apropriado requerer ao ex-presidente que se abstenha de fazer lóbi junto da Comissão e/ou dos seus serviços por um determinado número de anos”.
O documento inclui ainda sugestões, como a de ser dada ao Comité de Ética autoridade para atuar por sua iniciativa sempre que for apropriado e aumentar o número de membros que o integram.
Por outro lado, a ‘Ombudsman’ sugere que pessoas que exercem cargos de conselheiros especiais não possam integrar o comité e que as opiniões deste, bem como as decisões tomadas em função dos pareceres sejam tornadas públicas.
Finalmente, O’Reilly sugere que o “período de notificação” previsto no Código de Conduta seja prolongado por vários anos, de modo a que haja informação sobre todas as novas funções de antigos comissários, podendo Bruxelas reagir se necessário.
O artigo 254 do TFUE estipula que os comissários europeus assumem “o compromisso solene de respeitar, durante o exercício das suas funções e após a cessação destas, os deveres decorrentes do cargo, nomeadamente os de honestidade e discrição, relativamente à aceitação, após aquela cessação, de determinadas funções ou benefícios”.
Em caso de violação, podem ser demitidos compulsivamente ou perder o direito a pensão ou outros benefícios que a substituam, se assim o decidir o Tribunal de Justiça, a pedido da Comissão ou do Conselho.
Face à polémica provocada pelo anúncio da ida de Durão Barroso para o Goldman Sachs, em 2016, o presidente da Comissão Europeia, Jean-Claude Juncker, solicitou um parecer ao então Comité de Ética ‘ad hoc’ – agora Comité Independente de Ética – do executivo comunitário, que concluiu que o antigo presidente não violou as regras, ainda que tenha demonstrado falta de “sensatez”.
Segundo o comité de ética, Durão Barroso “não demonstrou a sensatez que se poderia esperar de alguém que ocupou o cargo de presidente durante tantos anos”, mas “não violou o seu dever de integridade e discrição”.
Este recuo acontece depois da carta de Barroso enviada à Provedora, com conhecimento de Jean-Claude Juncker, na qual o ex-presidente da CE considera estar a ser alvo de “um ataque político pessoal pouco velado”.
“Ataque político pessoal pouco velado”
Numa carta endereçada a O’Reilly, Barroso contesta o conteúdo das 17 páginas de recomendações da Provedora de Justiça.
“Existe um enquadramento legal específico para o emprego de comissários após os seus mandatos, algo que eu escrupulosamente respeitei, como confirmado por duas autoridades independentes competentes: a Comissão Ética Ad Hoc (AHEC) e o Departamento Europeu Anti-Fraude (OLAF)”, sustenta.
O antigo responsável máximo da UE critica o facto de, “em nenhum lugar nas 17 páginas das suas recomendações”, O’Reilly ter “sumarizado ou apresentado a sua avaliação dos argumentos e opiniões” que lhe apresentou numa carta anteriormente enviada à Provedora Europeia.
“Uma abordagem tão parcial desmente qualquer ideia de tratamento justo, já que esse enquadramento legal é o único contexto em que o meu caso pessoal poderia ser avaliado pela Comissão”, observa.
Perante isto, Barroso recorda a O’Reilly quais são as suas funções: “Enquanto Provedora de Justiça, o seu papel é investigar possíveis atos reprováveis de instituições da UE para benefício de cidadãos da UE e fazer recomendações a instituições relevantes na eventualidade de essa má gestão ser identificada”.
“Como eu o entendo, o seu papel neste caso é, portanto, assegurar-se de que o enquadramento legal relevante foi respeitado pela Comissão e, onde necessário, sugerir melhorias na regulamentação relevante (como, por exemplo, no Código de Conduta)”.
“É, assim, inaceitável que as suas recomendações pareçam incluir uma crítica da avaliação feita por uma autoridade independente competente sobre a minha situação individual”, comenta, dizendo-se “surpreendido” por a Provedora “parecer considerar-se livre de contradizer as conclusões alcançadas pela independente AHEC, nomeadamente que não houve (…) violação das obrigações legais consagradas”.
“Observo também que não faz qualquer referência à investigação independente do OLAF, que lhe foi referida na minha anterior carta e que não encontrou provas de infração legal da minha parte e foi encerrada sem qualquer recomendação de acompanhamento”.
Referindo que as recomendações da Provedora de Justiça Europeia “parecem agora assentar significativamente” na reunião que manteve com o vice-presidente Katainen no outono do ano passado, o ex-governante europeu queixa-se de que, mais uma vez, O’Reilly não procurou conhecer o seu lado da história desse encontro.
“Isso é infeliz, porque eu poderia ter dissipado quaisquer dúvidas”, sustenta, acrescentando que também aqui, mais uma vez, as recomendações da provedora “vão além do que é exigido no contexto das suas funções de identificar eventuais procedimentos condenáveis por parte das instituições europeias”, emitindo um juízo sobre a sua situação individual.
Sobre isso, salienta: “Ao contrário da Comissão, enquanto alvo da sua investigação, eu, como parte terceira nomeada e afetada, pareço não ter um direito formal de resposta às suas recomendações”.
Acresce também que O’Reilly “ignorou as explicações dadas pelo próprio sr. Katainen, inclusive num debate do Parlamento Europeu (a 28 de fevereiro), indicando que se tratou de uma reunião privada de natureza pessoal e que não envolveu qualquer ‘lobbying’ em favor do Goldman Sachs”, e ignorou também “o facto de o atual presidente da Comissão Europeia ter declarado ser de opinião de que a reunião respeitou integralmente as regras da Comissão”, aponta.
“O Goldman Sachs também declarou publicamente que quaisquer reuniões que eu possa ter com responsáveis da UE são a título pessoal e que eu me escusei de representar o banco em quaisquer interações com responsáveis da UE”, frisa ainda.
“Além disso, não posso deixar de observar que a sua abordagem significaria que me seria totalmente impossível encontrar-me a título individual com qualquer dos meus amigos e antigos colegas de dez anos na Comissão, por um período indeterminado”, quando “de facto, o atual presidente indicou que não estou de modo algum impedido de me encontrar com atuais comissários”, sublinha Barroso na carta.
Por outro lado, o ex-presidente da CE chama a atenção para o facto de esta investigação incidir sobre a forma como a Comissão lidou com a sua nomeação, em finais de 2016, para o Goldman Sachs, pelo que a sua reunião com Katainen “cerca de 12 meses depois não pode propriamente ser alvo da investigação” da Provedora.
“Há muitas outras questões nas recomendações que, na minha opinião, constituem um ataque político ‘ad persona’ pouco velado“, comenta, acrescentando: “É uma ironia amarga que tenha procurado usar o seu cargo desta maneira”.
A concluir a missiva, Barroso confronta a Provedora de Justiça Europeia com a necessidade de o informar sobre os meios legais de que dispõe para se defender, tendo em conta que as suas recomendações não podem ser contestadas em tribunal e que estas incidem sobre as suas ações individuais e afetam os seus direitos individuais.
“Se, porém, as suas recomendações não envolverem qualquer avaliação legal das minhas ações, então penso que devia tornar isso claro, porque neste momento, não está”, remata.
ZAP // Lusa