Mulheres sem útero, que só serão mães através da maternidade de substituição, criticam a lentidão da discussão dos projectos-lei que permitem o recurso a esta prática e prometem lutar por esta solução “medicamente possível”, mas “legalmente impossível”.
Joana, de 27 anos, e Maria, de 28 anos, são duas das várias mulheres em Portugal que, sem útero, não podem gerar um filho, neste caso por serem portadoras de uma anomalia congénita: a Síndrome Mayer Rokitansky Kuster Hauser (MRKH).
“A única hipótese de ter um filho biológico é recorrer à gestação de substituição“, disse Joana à agência Lusa.
Para Maria, “ser mulher traz esta vontade enorme de termos filhos”. “Eu, como qualquer mulher que tem este desejo, anseio por um filho biologicamente meu e do meu companheiro, a extensão do nosso amor. Claro que sei que existem outras possibilidades, e que ‘parir é dor e criar é amor‘, mas gostaria de esgotar esta possibilidade, uma vez que tenho material genético em perfeitas condições para o conseguir”.
O que pretendem é usar o seu material biológico (óvulos), fertilizado por espermatozóides dos companheiros, num embrião implantado no corpo de uma mulher que irá gerar o feto, não sem antes terem a garantia legal de que será reconhecida como mãe a portadora do material genético e não a que suporta a gravidez.
Há dois anos, quando os projectos do PS e do PSD, que permitem o recurso à gestação de substituição em caso de infertilidade, foram aprovados no parlamento, Joana e Maria acreditaram estar mais próximas de concretizar o seu sonho.
Mas os projectos baixaram para discussão na especialidade e o passar do tempo aumentou as suas angústias, conscientes que estão dos efeitos do tempo na sua fertilidade.
“Olho para todo este processo com tristeza, pois sei que é medicamente possível e legalmente impossível. Vivo num país, onde regularmente são lançadas notícias sobre o envelhecimento da população e eu, que tenho esta vontade enorme de ser mãe, sinto-me triste com o parlamento, por não conseguir chegar a um consenso sobre este assunto, tão delicado para mulheres como nós, pois a solução existe”, sublinha Maria.
Foi precisamente esta demora na discussão que levou Joana e Maria a arregaçar as mangas, questionando quem acreditam ter responsabilidades nesta matéria.
Falaram com a presidente da Comissão Parlamentar de Saúde, Antónia Almeida Santos, a quem contaram a sua história. À Lusa, a deputada socialista confirmou o encontro e, apesar de não se pronunciar sobre casos concretos, adiantou que o prazo de vigência do grupo que está a analisar os diplomas, e a ouvir especialistas, foi recentemente prorrogado.
Joana espera que os deputados sejam sensíveis aos argumentos destas mulheres e lembra que “a sociedade portuguesa já aceitou outros temas também delicados”.
No rol de contactos que estão a organizar, Joana e Maria escreveram aos grupos parlamentares – tendo um encontro com o Bloco de Esquerda na quinta-feira – à presidente da Assembleia da República e ao ministro da Saúde.
“Reconhecemos a complexidade de legislar sobre a matéria, mas compete-nos dar voz a situações reais, de jovens casais que têm a legítima expectativa de ver reconhecido o direito às possibilidades que a ciência e a medicina dispõem para tratamento desta situação particular de infertilidade”, lê-se numa das missivas enviadas, a solicitar audiência.
Aos que se opõem à gestação de um filho no útero de outra mulher, Joana garante: “Ser mãe é um processo, é muito mais que gerar uma criança. É uma mudança grande na vida de uma mulher. No meu caso falta-me o processo inicial, a gestação”.
Joana e Maria também já foram recebidas pelo presidente do Conselho Nacional de Procriação Medicamente Assistida (CNPMA), o juiz Eurico Reis, para quem estes casos inscrevem-se “perfeitamente” nos requisitos e objectivos das normas que este organismo sugeriu ao parlamento para introdução no texto da lei que regula a PMA.
/Lusa