O ativista luso-angolano Luaty Beirão confessa ter ficado surpreendido pelo impacto internacional da greve de fome de 36 dias que fez há um ano, admitindo que chegou a recear morrer e ironizando que só faltou o Vaticano pronunciar-se.
“Fiquei completamente estupefacto com o nível quase pornográfico que essa coisa [greve de fome] tomou. Só faltava o Vaticano pronunciar-se. Chegou às Nações Unidas, à Secretaria de Estado do Governo do Obama. Chegou a um ponto tal que já não faltava mais nada, a não ser o Governo [angolano] ceder”, recordou, em entrevista à Lusa.
Luaty Beirão terminou a 26 de outubro de 2015 uma greve de fome de 36 dias, em protesto, na altura, contra a prisão preventiva (desde 20 de junho), alegando que tinham sido ultrapassados os prazos legais, sem dedução de acusação.
A greve de fome colocou, no plano mediático internacional, a detenção de 17 ativistas – críticos do regime e que alegaram reunir-se para discutir sobre política e não para realizar uma rebelião.
Luaty Beirão chegou a ser transferido da cadeia para o Hospital-Prisão de São Paulo, em Luanda, e depois para a mais cara clínica privada da capital angolana.
“Emociona-me pensar que havia, neste dia de hoje [em 2015], uma incerteza sobre o que podia dar, qual seria o desfecho, que podia ser o pior cenário. Foram momentos muito intensos, para mim e para a minha família”, recorda, em entrevista à Lusa.
A partir do 19.º dia de greve de fome admite que passou a recear pela vida e que “o pior podia estar prestes a acontecer”, mas também que o Governo angolano “começou a levar mais a sério” o protesto.
Depois desse período, já segundo os médicos a correr risco de vida, os Serviços Penitenciários avançaram com a sua transferência, sob detenção, para a clínica privada Girassol, do grupo Sonangol.
“Era um quarto que eu nem sabia que existia no hospital, senti a preocupação com que eu não morresse”, critica.
Ainda assim, e com um ano passado, diz agora que não imaginava que o protesto levasse mais de 12 dias, mas também que o voltava a realizar nas mesmas circunstâncias.
“Nunca pensei que as coisas fossem chegar àquele ponto. Pensei que quando eles [Governo angolano] se apercebessem que eu estava a falar a sério e que não pretendia desistir que eles fossem fazer o mais simples, que era aplicar a lei. Não era fazer-me uma vontade”, afirma.
A 28 de março voltou para a prisão, condenado a cinco anos e meio de cadeia por atos preparatórios para uma rebelião e associação de malfeitores – tendo sido libertado no final de junho, juntamente com os restantes 16 ativistas.
Para Luaty Beirão, um dos rostos da contestação aos 37 anos no poder de José Eduardo dos Santos, este caso só veio dar “mais força” a quem não concorda com o modelo de governação de Angola.
“Senti que chegou um momento na minha vida em que eu não posso simplesmente aceitar que é assim que temos de estar e que é preciso fazer alguma coisa, porque temos filhos, vamos ter netos e é preciso deixar isto um bocado melhor do que o que estamos a encontrar”, critica.
Garante que o que está a acontecer é um “amadurecimento” da sociedade, através de uma “cidadania responsável” que começa a ganhar corpo em Angola, para a qual a visibilidade da greve de fome de há um ano também contribuiu.
“O país acaba por sair a ganhar porque são pequenos gestos que fazem com que a nossa pseudo-democracia possa amadurecer. Habituamo-nos a viver com a doença, a sobreviver. E quando morremos foi de quê? De estar vivo”, ironizou.
Luaty Beirão afirma que o regime angolano está agora pressionado internacionalmente e garante que o pior, em termos de saúde, já passou.
“Até pela barriguinha que já está a sair, eu acho que estou totalmente recuperado”.
Luaty Beirão relata dias dias de prisão em diário
O diário dos primeiros dias de prisão do luso-angolano Luaty Beirão vai chegar às bancas, em livro, devido à “astúcia” de colocar o original no interior de um jornal, contou o ativista, em entrevista à Lusa.
“Aproveitei uma visita e meti entre jornais que não podiam entrar. Voltaram para casa [os jornais], com o caderno lá dentro. Não quisemos correr o risco de fazer de outra forma, o resultado está aí, porque foram lá à cela e levaram o outro caderno, que agora não aparece”, começa por explicar Luaty Beirão.
O diário, de 100 páginas, retrata os primeiros 16 dias de prisão preventiva, até ao início de julho, quando o ativista e outros do mesmo grupo partilhavam espaço numa cadeia com cerca de 1.500 reclusos.
“Durante aqueles primeiros dias cheguei a ficar 47 horas trancado na cela, sem luz. Lembro-me de estar na altura tranquilo, embora em alguns momentos aborrecido com o que se estava a passar, mas geria-se. Estávamos mentalizados que íamos estar ali muito tempo”, explica.
Segundo Luaty Beirão, o diário – que será publicado em livro, no final de novembro – “não é sequer um quinto do material estava nos restantes cadernos”, que acabaram apreendidos pelos Serviços Penitenciários, já que tudo tinha de ser verificado à saída do estabelecimento prisional.
/Lusa