O Teatro da Cornucópia, fundado em 1973, em Lisboa, e dirigido por Luís Miguel Cintra, anunciou que vai fechar as portas no sábado.
“Pensamos que ao longo destes anos fizemos muito e menos mal, mas também julgamos já ter idade para ousar dizer que não sabemos nem queremos adaptar-nos a modelos de gestão a que dificilmente nos habituaríamos a cumprir. Isso faríamos mal. Talvez seja tempo de parar a atividade”, lê-se num comunicado divulgado pelo teatro.
Cintra queixa-se dos sucessivos cortes
Luís Miguel Cintra explica ao Diário de Notícias que a decisão não foi tomada “de repente” e que surge após sucessivos cortes nos subsídios atribuídos à companhia.
O encenador refere que se poderia até continuar, com menos dinheiro, mas que isso não permitiria manter a qualidade exibida até agora, o que seria uma frustração para o público.
“Não seria possível, para nós, mudar agora de cabeça e começarmos a funcionar como uma companhia a começar“, salienta Luís Miguel Cintra no DN.
Sem programação anunciada para os próximos meses, a companhia de teatro decidiu por fim à atividade com um recital, de entrada gratuita às 16 horas deste sábado, 17 de Dezembro, a partir de textos do poeta francês Guillaume Apollinaire, com a participação de atores e músicos que têm trabalhado com o teatro.
Num balanço do percurso da companhia, será ainda lançado o segundo volume do livro “Teatro da Cornucópia – Espectáculos de 2002 a 2016”, que reúne informação sobre 52 criações, e o DVD do espetáculo “Fim de citação”, de Joaquim Pinto e Nuno Leonel.
O Teatro da Cornucópia foi fundado, em 1973, por Luís Miguel Cintra e Jorge Silva Melo. A estreia deu-se com a peça “O Misantropo”, de Molière, a 13 de outubro de 1973, no antigo Teatro Laura Alves, na Rua da Palma, em Lisboa, hoje transformado numa sapataria.
Em 1975, a companhia mudou-se para o Teatro do Bairro Alto (antigo Centro de Amadores de Ballet), onde permaneceu até à atualidade.
Em quatro décadas, centrou-se sobretudo na dramaturgia contemporânea, “com a intenção de construir um teatro de reflexão com uma função ativa na realidade cultural portuguesa“, como se lê no site do grupo de teatro.
Encenaram-se peças de Shakespeare, Tchekov, Moliére, Genet, Pasolini, Strindberg, Holderlin, Brecht, Garcia Lorca, mas também Gil Vicente, Camões, Almeida Garrett e António José da Silva.
São “126 criações no histórico, três estreias mundiais, 25 textos dramáticos portugueses, dezenas e dezenas de atores de todas as gerações, encenadores convidados, espetáculos acolhidos e coproduzidos”, elencou o teatro.
“Subsídios estão a limitar a liberdade”
O Teatro da Cornucópia propôs uma atividade “sempre contra a corrente”, sem “perder algum sentido de intervenção política, de missão pública”, de fazer teatro “para o público e em função do público”, como afirmou Luís Miguel Cintra à agência Lusa em 2013, por ocasião dos 40 anos da companhia.
Já nessa altura, o ator e encenador falava na possibilidade de o teatro encerrar por causa de constrangimentos financeiros, por via dos cortes no financiamento público pela Direção-Geral das Artes.
“Os subsídios estão a limitar a liberdade. [O sistema] é mais limitativo da liberdade do que existir uma censura. (…) Eu não ganho cada vez que duplico funções [ator e encenador], ganho sempre o mesmo e ganho uma miséria“, disse na altura.
Luís Miguel Cintra, Prémio Pessoa 2005, dedicou grande parte da vida ao Teatro da Cornucópia retirou-se dos palcos em 2015 por razões de saúde.
ZAP / Lusa