Xangai celebra fim de bloqueio à covid-19, que vai deixar cicatrizes

Roman Pilipey / EPA

Os moradores de Xangai saborearam esta quarta-feira o fim de dois meses de bloqueio, mas “o terror” suscitado pela escassez de alimentos, violência e isolamento de casos positivos de covid-19 em condições degradantes deve deixar cicatrizes.

“Ninguém pode compreender a ansiedade e o medo que sentimos nos últimos dois meses”, contou Chiara, uma fotógrafa italiana radicada na “capital” económica da China, noticiou a agência Lusa.

Um surto de covid-19 na mais populosa cidade da China, provocado pela variante Ómicron altamente contagiosa, levou as autoridades chinesas a impor medidas de confinamento extremas, no âmbito da estratégia de ‘zero casos’, assumida como um triunfo político pelo secretário-geral do Partido Comunista Chinês, Xi Jinping.

Durante dois meses, os cerca de 25 milhões de habitantes de Xangai foram proibidos de sair de casa.

“Senti hoje o sol na cara, ao fim de 62 dias. Consegues imaginar? 62 dias”, descreveu a chinesa Wang Hua.

Todos os casos positivos, incluindo os assintomáticos, foram isolados em centros de quarentena: instalações improvisadas, com as camas distribuídas num espaço comum, sem chuveiros, e com uma casa de banho para centenas ou até milhares de pessoas.

“O terror de saber que um teste positivo acarretaria ser enviada para um desses campos”, descreveu Chiara. “Algumas pessoas tentaram suicidar-se; animais de estimação foram mortos”, relatou.

As cenas de violência, a falta de alimentos e a aplicação implacável e caótica das medidas de prevenção epidémica provocou protestos raramente vistos na China.

Um alto funcionário do Partido Comunista da China em Xangai Li Qiang disse que a cidade fez grandes conquistas no combate ao surto por meio de uma luta contínua.
“Senti-me sem esperança”, confessa uma residente

O governo local assegurou que todas as restrições vão ser gradualmente suspensas, mas os comités de bairros locais ainda exercem um poder considerável para implementar medidas por vezes contraditórias e arbitrárias.

Wu Hong / EPA

O bloqueio reforçou os poderes destes comités, em quem o Partido Comunista Chinês confia para difundir diretrizes e propaganda a nível local, e até mesmo para a resolução de disputas pessoais.

Os comités tornaram-se alvo de críticas, sobretudo depois de terem proibido os moradores de saírem das suas casas, mesmo depois de as restrições oficiais terem sido relaxadas.

“Senti-me sem esperanças”, contou outra residente na cidade, que recusou ser identificada. “Um grupo de pessoas que nem sequer têm educação subitamente passou a ter o poder de decidir sobre a minha liberdade”.

Os transportes públicos foram esta quarta-feira repostos em Xangai, assim como as ligações ferroviárias para outras cidades da China.

Ainda assim, mais de meio milhão dos 25 milhões de habitantes de Xangai continuam trancados em casa, em comunidades residenciais onde foram detetados casos do novo coronavírus nos últimos 14 dias.

Centros comerciais, supermercados, lojas de conveniência e farmácias reabriram, mas limitados a 75% da capacidade total. Para ir ao supermercado, por exemplo, é necessário fazer reserva ‘online’ com antecedência, visando limitar as entradas.

Xangai registou 15 novos casos nas últimas 24 horas, assinalando o declínio estável, desde que chegou aos mais de 20.000 casos por dia, em abril.

As escolas vão ser reabertas para os dois últimos anos do ensino secundário e o terceiro ano do ensino médio, mas os alunos podem decidir se querem comparecer.

O bloqueio levou também a um êxodo de residentes chineses e estrangeiros, com multidões a formarem-se junto à Estação Ferroviária de Hongqiao.

Numa altura em que a maior parte do resto do mundo levantou praticamente todas as restrições, a China mantém a estratégia de ‘zero casos’, que visa extinguir surtos do novo coronavírus através de testes em massa e o isolamento de todos os infetados em instalações designadas pelo governo.

Lusa //

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