Fernando Veludo / LUSA

Ativistas participam na 20.ª Marcha do Orgulho LGBTI+, no Porto
Largas centenas de pessoas ocuparam a Baixa de Lisboa pelo direito à habitação. Milhares afirmam orgulho LGBTI+ num Porto colorido.
Largas centenas de pessoas ocuparam neste sábado as ruas da Baixa de Lisboa em luta pelo direito à habitação, numa manifestação que mobilizou sobretudo jovens, alertando o Governo de que está “absolutamente impossível” viver em Portugal.
“Portugal tem os preços das casas mais altos da Europa. A OCDE [Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico], recentemente, considerou Portugal o país com menos acesso a casa e, portanto, é mesmo muito importante estarmos aqui na rua para mostrar que estas opções do Governo – PS, PSD e CDS – não querem resolver a crise da habitação”, afirmou Diogo Machado, de 24 anos, um dos muitos rostos jovens presentes na manifestação Casa para Viver, em Lisboa.
Em declarações à agência Lusa, no final do percurso da manifestação, que partiu do Largo de Camões e terminou no Arco da Rua Augusta, passando pela zona turística da Baixa de Lisboa, este jovem sublinhou que, com este Governo de PSD/CDS-PP, “as casas subiram no primeiro trimestre do ano, mais do que não subiam há muitos anos”.
“A gente não aguenta as casas a este preço“, reforçou.
Também Leonor Heitor, de 21 anos, que vive em Lisboa, mas estuda no Algarve, questionou: “Como é que é sustentável viver num país em que o valor das rendas é igual ao salário mínimo?”.
Para esta jovem, é preciso baixar os preços das rendas e criar medidas de regulação do alojamento local, mas também intervir na parte urbanística, com a reabilitação dos “tantos edifícios desocupados”, que devem servir para resolver o problema de “tanta gente sem casa ou que não consegue arranjar sítio para morar onde o preço é acessível”.
Durante a manifestação, ecoaram frases de protesto como “Abril exige casa para viver”, “casa é para morar, não é para especular” e “baixem as rendas, subam os salários”.
“Estamos fartos de escolher: pagar a renda ou comer“, reclamaram as centenas de manifestantes pelo direito à habitação.
No protesto estiveram também representados os bairros da região de Lisboa, inclusive do Mocho e do Talude, ambos no concelho de Loures, com moradores a queixarem-se de que estão “em risco de despejo” das casas autoconstruídas, também designadas de barracas, que foram edificadas ilegalmente.
A viver no Bairro do Talude, onde estão “por volta de cento e tal famílias“, Marlise António aproveitou a manifestação em Lisboa para alertar para a demolição da sua barraca, prevista para segunda-feira, mostrando uma carta que recebeu na sexta-feira a avisar dessa decisão por parte da Câmara de Loures, e referindo que está em risco de ficar na rua sem solução de habitação,
“A vontade de todos é que tenhamos uma casa para arrendar, mas o salário não chega. O salário é o salário mínimo, não chega para nada. Uma casa está por 800 e tal euros. Se o nosso salário é 800, pagamos casa como?“, expôs.
Entre os manifestantes esteve também a antiga deputada independente Helena Roseta, autora da primeira Lei de Bases da Habitação, aprovada em 2019, que participou como cidadã em luta pelo direito à habitação, previsto na Constituição da República.
“O direito à habitação está a ser negado a uma percentagem enorme dos jovens portugueses e, quando uma geração inteira não tem direito à habitação, nós estamos a comprometer o futuro. O Governo tem de meter isto na cabeça, não está a resolver o problema, não está a resolver o problema. Evidentemente que fez algumas coisas que são positivas, mas é preciso ir mais longe“, afirmou a arquiteta Helena Roseta, em declarações à Lusa.
A responsável pela Lei de Bases da Habitação defendeu que o país não pode ter casas a serem vendidas e a serem arrendadas aos preços a que estão, assim como arrendamentos “sem contrato, sem recibo, sem papéis”.
“Os direitos nunca são outorgados, são conquistados, e nós estamos a fazer frente a uma batalha que não é só nacional, é transnacional. […] Não é possível equilibrar uma oferta limitada territorial portuguesa com uma procura ilimitada transnacional e multinacional”, indicou Helena Roseta, defendendo, por exemplo, um novo código de arrendamento habitacional.
No final da manifestação, junto ao Arco da Rua Augusta, André Escoval, um dos porta-vozes da plataforma Casa para Viver e membro do movimento Porta a Porta, destacou a “grande força” na mobilização das pessoas “contra um dos maiores problemas nacional, que é a negação do direito à habitação”, referindo que, além de Lisboa, houve protestos noutras 11 cidades do país, e domingo haverá no Porto.
“Esta é uma luta que vai continuar. Estas largas centenas de pessoas que hoje participaram nesta manifestação foi um sinal que deram ao Governo [de] que logo a seguir ao verão estarão na rua novamente. E não pode haver um Orçamento do Estado para 2026 que não tenha uma aposta inequívoca na habitação”, afirmou André Escoval, referindo que há medidas a tomar “de forma imediata” como a regulação das rendas e o aumento da duração dos contratos.
Isabel Mendes Lopes (Livre), Paulo Raimundo (PCP) e Mariana Mortágua (Bloco de Esquerda) estiveram na manifestação; acusaram o Governo PSD/CDS de estar a agravar a crise na habitação e exigiram medidas urgentes para o setor.
Um momento insólito ocorreu quando o secretário-geral do PCP prestava declarações aos jornalistas e foi interrompido por uma senhora visivelmente exaltada, que se queixou de ter sido despejada em 31 agosto do ano passado.
“Devia ter recebido 200 euros de apoio de renda, mas só recebi 93 euros. Fui roubada. Tenho doença crónica e não estou a trabalhar a tempo inteiro. A minha situação é a pior possível”, declarou a senhora, que disse ter 57 anos e residir agora em Sesimbra. Deixou, depois, uma crítica à generalidade da comunicação social: “Deixem de baixar o rabo ao capital e comecem a ouvir as pessoas”.
Quando a senhora parou de falar, Paulo Raimundo deu-lhe um abraço e um beijinho. E fez o seguinte comentário aos jornalistas: “Isto não são histórias, são vidas”.
Marcha do Orgulho LGBTI+
Também neste sábado, milhares de pessoas coloriram várias artérias do centro do Porto na 20.ª Marcha do Orgulho LGBTI+ da cidade, numa ocupação do espaço público afirmando a sua visibilidade e contra as várias opressões vividas pela comunidade.
A marcha iniciou-se na Avenida dos Aliados e circundou o centro do Porto, preenchendo praticamente metade da Praça da República, a totalidade da Rua da Boavista até à viragem para Cedofeita e a totalidade da Rua de Cedofeita, até chegar ao Largo Amor de Perdição, na Cordoaria.
Ao longo do percurso, entre bandeiras coloridas desde as mais pequenas até às gigantes, foram visíveis cartazes com inscrições como “Direito a existir, dever de resistir”, “O mundo precisa do nosso ativismo”, “Antes fufa que fascista”, “O amor é de todas as cores”, “Viver não é só respirar”, “Não há cura para o que não é doença”, “O amor não precisa da tua permissão” ou “Gisberta presente”.
Também foram sendo entoados cânticos como “nem menos, nem mais, direitos iguais”, “a nossa luta é todo o dia contra o machismo, fascismo e homofobia”, “vida independente é para toda a gente”, “o corpo não binário é revolucionário” ou “mulheres com deficiência também estão na resistência”.
“A importância é de ser a vigésima. A importância é de assistirmos a um retrocesso e um ataque àquilo que são as nossas existências. Então, é um dever vir lutar, especialmente para quem pode. Infelizmente estamos cá também por aquelas e por aqueles que não conseguem lutar”, disse hoje à Lusa Filipe Gaspar, da organização, antes do arranque da marcha.
Filipe Gaspar considerou que “esse imperativo este ano é mais forte precisamente para lutar contra essas ameaças que vêm das linhas orientadoras da extrema-direita”, sendo o objetivo da marcha “vir para a rua ocupar o espaço público”.
“O discurso de ódio tem crescido de forma horrorosa. Basta ver os comentários que vemos nas páginas dos jornais, que para nós é um constante ataque”, lamentou, pedindo às pessoas que imaginem o que seria “todos os dias abrir um jornal e ver a sua identidade ou a sua forma de existir atacada”.
Precisamente sobre os comentários que incentivam as pessoas LGBTI+ a não se expressarem publicamente, Filipe Gaspar considera que “esse tipo de crítica vem de um lugar de preconceito – que todos temos, por isso isto não é um insulto a ninguém” – alicerçado numa sexualização errónea das pessoas.
“Só que nós estamos a falar de afeto”, bem como do “direito à família, é isso que estamos a reivindicar, e também querem que nós fiquemos em casa, que escondamos as nossas famílias, a forma do nosso afeto”, prosseguiu.
Filipe Gaspar afirmou que, se quem critica, viesse a uma marcha, poderia “desconstruir muitos preconceitos e estereótipos em relação às pessoas que frequentam este lugar, este espaço e estas existências”.
“É mesmo baixar as guardas e ouvirmos. Nós somos pessoas, nós somos seres humanos como qualquer pessoa, temos sentimentos, e não queremos ser reduzidos a seres sexuais, sexualizados ou fetichizados. Não queremos estar nesse lugar, queremos efetivamente estar no lugar de toda a gente: no trabalho, nas instituições, na política”, vincou.
A porta-voz do PAN, Inês de Sousa Real, esteve nesta marcha: “A tolerância com os intolerantes tem que ter um limite. Nós não podemos continuar a ter quer movimentos, quer partidos, que são ostensivamente contrários aos direitos humanos e aos princípios fundamentais da nossa Constituição e que atacam não apenas a comunidade LGBTIQA+, mas também os direitos das mulheres, e atacam também em função da cor da pele”, defendeu, em declarações à agência Lusa.
ZAP // Lusa