Vitória com sabor a derrota. Macron perde a maioria absoluta

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Michel Spingler / EPA

Macron torna-se assim o primeiro Presidente francês a não conseguir uma maioria absoluta nas legislativas nos últimos 20 anos, depois de uma mudança constitucional em 2002 ter ajudado a garantir que todos os chefes de Estado tinham a Assembleia Nacional do seu lado.

Era um cenário que as sondagens previam, e acabou mesmo por se concretizar, para o desalento de Emmanuel Macron. Na segunda volta das legislativas, a coligação Ensemble!, liderada pelo partido do Presidente francês, venceu as eleições para a Assembleia Nacional, mas perdeu a maioria absoluta.

Depois de ter conseguido o feito histórico de ser o primeiro chefe de Estado francês a conseguir a reeleição nos últimos 20 anos, Macron fez agora novamente história pela negativa, ao ser o primeiro Presidente também nas últimas duas décadas a não conseguir uma maioria absoluta na Assembleia Nacional.

Este resultado é particularmente negativo quando se tem em conta a revisão constitucional de 2002 que levou a que as legislativas tivessem lugar poucos meses depois das presidenciais, com o intuito de dar uma mãozinha ao chefe de Estado na eleição para a Assembleia. Desde então, todos os Presidentes têm usado o impulso que conseguem com a vitória nas presidenciais como uma catapulta para a conquista da maioria absoluta no parlamento.

A falha desta conquista por parte de Macron pode ser vista como uma prova da hipótese proposta por alguns analistas de que a sua reeleição para o Eliseu seria mais um fruto da rejeição a Le Pen e à extrema-direita numa dinâmica do “mal menor” do que propriamente uma aprovação do seu trabalho como Presidente.

Para além disto, a Ministra da Saúde e a Ministra da Transição Ecológica também perderam o seu lugar no Governo francês, após terem sido derrotadas na segunda volta, devendo anunciar em breve a sua demissão.

Segundo a tradição republicana – já reafirmada por Emmanuel Macron – todos os membros com cargos governamentais devem sair do executivo caso percam nos seus respetivos círculos eleitorais.

No total, 15 membros do Governo tinham sido candidatos a estas eleições, tendo três sido derrotados: a ministra da Saúde, Brigitte Bourguignon, a ministra da Transição Ecológica e Social, Amélie de Montchalin, e a secretária de Estado do Mar, Justine Bénin.

Além destes ministros, foram também derrotadas duas figuras de peso do partido de Macron, ‘La République en Marche!’: o líder do grupo parlamentar, Christophe Castaner, e o presidente da Assembleia Nacional, Richard Ferrand.

A estes nomes, acresce ainda o do ex-ministro da Educação Nacional e da Juventude, Jean-Michel Blanquer, que tinha sido eliminado na primeira volta, no domingo passado.

Esquerda duplica número de deputados

No total, a aliança de centro-direita conquistou 38,57% dos votos, tendo elegido 245 deputados, ficando longe dos 289 necessários para ter a maioria absoluta. Em comparação com os resultados que o partido de Macron conseguiu em 2017, houve uma quebra de 10 pontos percentuais e uma perda de 105 deputados.

Em segundo lugar ficou a “geringonça” francesa, que uniu o França Insubmissa aos ecologistas, socialistas e comunistas, sob o nome Nova União Popular Ecológica e Social (NUPES).

A esquerda, liderada por Jean-Luc Mélenchon, obteve 31,60% dos votos, elegendo assim 131 deputados. Há cinco anos, os quatro partidos que compõem a aliança tiveram apenas 63 mandatos, tendo mais do que duplicado o resultado desde então.

Apesar da esquerda poder ser vista como a grande vencedora da noite, a extrema-direita também pode cantar vitória. O maior aumento em relação a 2017 foi mesmo da União Nacional, o partido de Marine Le Pen, que conquistou 17,30% dos votos e 89 lugares na Assembleia Nacional.

Nas últimas legislativas, a União Nacional teve apenas 8,75% dos votos e elegeu oito deputados. Não foi desta que o partido conseguiu ter o mesmo peso eleitoral que teve nas presidenciais — recorde-se que Le Pen chegou aos 41,45% dos votos no duelo contra Macron em Abril — mas os valores mostram um crescimento galopante da extrema-direita também no plano legislativo, sendo este o melhor resultado de sempre desta família política nas eleições para a Assembleia Nacional francesa.

Tal como as presidenciais demonstraram — onde as candidatas dos Socialistas e dos Republicanos tiveram maus resultados — os franceses estão progressivamente a abandonar os dois grandes partidos históricos.

Os Republicanos foram novamente vítimas desta tendência, tendo elegido apenas 61 deputados com os 6,98% dos votos que conseguiram. Há cinco anos, tinham conquistado 22,23% do eleitorado e elegido 112 mandatos.

A abstenção foi histórica, situando-se nos 53,77%, sendo mais alta do que a verificada na primeira volta e batendo o recorde de 2017.

Republicanos fecham a porta a Macron

Na sua reacção aos resultados, a primeira-ministra Élisabeth Borne prometeu começar a trabalhar para conseguir assegurar uma coligação imediatamente e alertou que esta nova Assembleia Nacional constitui “um risco” para o país.

E o risco existe mesmo. Com esta nova configuração, o governo de Macron será obrigado a procurar aliados para se manter em pé. A escolha mais óbvia seriam os Republicanos, dado serem também de centro-direita e de vários rostos de peso do partido terem inclusivamente apoiado Macron nas legislativas em detrimento da candidata do partido, Valérie Pécresse.

Mas parece que o partido não quer dar a mão a Macron. “Fizemos campanha na oposição, estamos na oposição e vamos permanecer na oposição. As coisas foram muito claras”, esclareceu o presidente dos Republicanos, Christian Jacob, na sua reacção aos resultados.

Esta recusa pode dar muitas dores de cabeça a Macron, especialmente quando Mélenchon já indicou que pode avançar com uma moção de censura e que ainda não perdeu a esperança de formar Governo e de ser primeiro-ministro.

“O que temos é uma situação totalmente inesperada, a derrota do Presidente é total e nós atingimos o nosso objetivo que era de num mês fazer cair aquele que tinha tanta arrogância. Não há qualquer diferença a ser ultrapassada entre nós e a maioria. Nós não somos do mesmo mundo, não temos os objetivos nem temos os mesmos valores”, garantiu Mélenchon no discurso após serem conhecidas as projecções.

Já o presidente interino do Rassemblement National (União Nacional, RN), felicitou-se pelo ‘tsunami’ realizado pela sua formação nas legislativas francesas. “É uma vaga de azul-marinho por todo o país. A lição desta tarde é que o povo francês faz de Emmanuel Macron um Presidente minoritário”, vangloriou-se Jordan Bardella.

Apesar do NUPES não ter poder suficiente para derrubar o executivo, se a União Nacional também votar a favor de uma moção de censura e se os Republicanos continuarem a rejeitar uma aliança com o Ensemble!, Macron pode estar em apuros.

Resta-nos agora continuar a acompanhar de perto a situação e esperar para ver se Macron consegue convencer o partido a formar a tão necessária aliança.

Adriana Peixoto, ZAP // Lusa

5 Comments

  1. Salve França! O único país europeu povoado por seres humanos, a única democracia (ainda) viva europeia! Uma vivacidade e modernidade que só é explicada por uma extrema-direita que aprendeu a jogar o jogo da legitimidade democrática. O que assusta não são os radicalismos da Marie e sim a corrupção das forças ditas “democráticas”.

  2. Com a nova composição da AN francesa pode ser difícil à França alguma vez aceitar participar em operações militares contra a Rússia, ou até mesmo manter as sanções decretadas pela UE. O que são óptimas notícias. É menos um país vassalo dos Estados Unidos.

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