O deserto do Atacama é destino de milhares de toneladas de roupas usadas, boa parte das quais de grandes marcas globais. O depósito de roupas atinge proporções descomunais — até um ocasional incêndio as fazer desaparecer.
Em 2022, Ángela Astudillo, estudante de direito e cofundadora da organização sem fins lucrativos Desierto Vestido, assistiu a um desastre ambiental de grandes proporções em Alto Hospicio, no Chile.
Localizada na borda do Deserto de Atacama, a pequena e poeirenta cidade chilena tinha um problema crítico em mãos: como descartar uma enorme quantidade de roupas usadas.
Juntamente com a professora de moda Bárbara Pino e seus alunos, Astudillo aproximou-se de um imenso monte de resíduos de vestuário conhecido como El Paso de la Mula — apenas para descobrir que se encontrava em chamas, conta o Grist, numa reportagem produzida com o El País.
Esta pilha de roupas, a segunda maior do mundo, continha aproximadamente 11.000 a 59.000 toneladas de tecido — algo como uma a cinco vezes o peso da Ponte 25 de Abril, em Lisboa.
À medida que se aproximavam, a situação piorou; fogo tinha já conseguido engolir mais de metade da monumental pilha de roupa.
Apesar disso, Pino e os seus alunos conseguiram recolher algumas peças de roupa ainda intactas, para as examinar. Uma boa parte eram de grandes marcas globais.
O Deserto de Atacama, conhecido pela sua extrema secura, não via pinga de chuva há 14 anos. Este ambiente, aliado às fibras sintéticas derivadas do petróleo das roupas modernas, ajudou ao crescimento exponencial e persistência da enorme pilha de roupa.
Em 2021, imagens aéreas do monte, recolhidas pela agência France Presse, pôs a nu a gravidade do problema, que atinge proporções globais e não é caso único no planeta. A roupa doada nos países ricos é vendida em África, e uma grande parte tornam-se “resíduos” que vão parar ao mar.
A cidade de Alto Hospicio, um importante centro para a indústria de roupas descartadas, recebe anualmente uma quantidade impressionante de roupas usadas, que varia de 60.000 a 44 milhões de toneladas.
A Zona de Livre Comércio nas proximidades do local desempenha um papel significativo no processo, servindo como ponto chave para a importação e venda destas roupas. Apesar das leis contra o descarte de têxteis, a grande maioria das roupas importadas permanece sem venda.
Esta situação levou a advogada ambiental Paulin Silva a processar o município e o governo chileno pela sua negligência em relação aos depósitos de roupas. No entanto, o incêndio de 2022, que destruiu uma parte significativa das provas, complicou o seu caso.
O Chile adotou entretanto medidas de estímulo à reciclagem, incluindo a Lei de Responsabilidade Estendida do produtor, que atualmente se aplica a pneus e embalagens, havendo planos para estender a lei a roupas e têxteis. Além disso, o Ministério do Ambiente está a criar uma estratégia de economia circular para resíduos têxteis.
Apesar desses esforços, o problema persiste, afetando profundamente a economia e o ambiente local. Vários empreendedores e organizações, tanto locais quanto internacionais, estão a explorar soluções para transformar os resíduos têxteis em produtos viáveis.
No entanto, o desafio continua a assumir enormes proporções, e a quantidade de roupas descartadas sem destino continua a crescer — tanto no Chile, como em todo o planeta.