Uma carta, demissões e revolta pelo jovem que morreu por falta de médicos

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(dr)

David Duarte, de 29 anos, morreu no hospital porque não havia médicos para o operar ao fim-de-semana.

David Duarte, 29 anos, perdeu a vida na madrugada de 13 para 14 de dezembro no Hospital de São José, em Lisboa, porque a equipa médica que o poderia salvar recusa trabalhar ao fim-de-semana pelo valor que o Estado paga.

A namorada do jovem, Elodie Almeida, de 25 anos, que esteve sempre ao lado de David, escreveu uma carta ao jornal Expresso, a contar tudo o que se passou.

O testemunho de Elodie, na íntegra:

“Na sexta-feira, dia 11 de dezembro, em pânico, liguei para o 112 por volta das 14h30. O David ficou paralisado do lado direito, sem conseguir formular frases. Tentava falar mas era incapaz, apenas conseguia gritar e chorar. A ambulância chegou, o David estava consciente e ciente daquilo que lhe pediam e perguntavam, porém, continuava sem conseguir expressar-se. Ajudaram-no a vestir-se e a calçar-se, colocando-o de seguida numa cadeira de rodas, visto que não tinha força na perna direita.

Fui com eles na ambulância. O David chegou ao Hospital de Santarém e foi logo colocado em observação. Fizeram-lhe exames, enquanto aguardei.

Após 30 a 45 minutos de espera, deixaram-me vê-lo. O David dormia mas por vezes abria os olhos. Estava muito agitado. O médico acordou-o e pediu-lhe para levantar os braços e ele conseguiu levantar apenas o braço esquerdo. Pediu-lhe para levantar as pernas e ele conseguiu levantar a esquerda e, muito lentamente, levantou a direita. Estava consciente.

Pouco tempo depois, fui chamada, eu e a avó materna do David, que se encontrava no hospital por outros motivos. Anunciaram-nos, numa sala à parte, que o David tinha tido uma hemorragia cerebral e um grande hematoma e teria de ser transferido de urgência para o Hospital de São José, em Lisboa. Apenas tive tempo de lhe dar um beijo. Ele abriu os olhos e eu disse-lhe: ‘Eles vão cuidar de ti’. Foi de imediato transferido pelo INEM, penso que seriam cerca de 18h.

Esperei umas horas pelo meu pai, que veio de Coimbra buscar-me para seguirmos para o Hospital de São José. Chegámos por volta das 22h, penso eu. Pedimos informações, procurámos o edifício que nos referiram, porém estava fechado.

Apareceu uma enfermeira, que gentilmente nos fez entrar e aguardar pela médica. Esperámos cerca de uma hora. No final, foram dois médicos que se reuniram connosco numa sala. Estávamos presente eu, o meu pai, Fernando, e a Sra. Zélia, mãe do David, que fomos buscar a Vila Chã de Ourique no caminho para o Hospital de São José.

Ali anunciaram-nos, descontraidamente, que se tratava da rutura de um aneurisma, que o sangue se espalhou pelo cérebro e que, geralmente, estes casos de urgência teriam de ser tratados de imediato, ou seja, o doente teria de ser logo operado.

Mas, como os médicos referiram, infelizmente calhou ser numa sexta-feira, logo não iria haver equipa de neurocirurgiões durante o fim de semana. O David teria de aguardar até segunda para ser operado. Deram-me a entender que o sangue espalhado pelo cérebro poderia, muito provavelmente, causar sequelas e posteriormente múltiplos AVC.

No sábado, dia 12, visto que a família mais próxima do David decidiu visitá-lo, estando eu em Coimbra, decidi ficar, ligando constantemente para o hospital para pedir informações (raramente era atendida ou pediam para ligar mais tarde).

Pedi ao Sr. José, tio do David, para pedir informações junto às enfermeiras ou aos médicos, pois queria saber se existia a hipótese de o David ser transferido para outro hospital, de forma a ser operado o mais rapidamente possível. Pelo que entendi, a melhor opção era sem dúvida o Hospital São José e não seria apropriado transferi-lo.

Nesse mesmo dia, a mãe do David referiu que ele abria os olhos, levantava os ombros e sentia frio nas pernas, tendo tido a iniciativa de se tapar com o lençol, apesar de as enfermeiras terem informado que não estaria consciente, que não iria reconhecer-nos e que estava demasiado confuso e perturbado. Visitei o David no domingo, dia 13, e ele estava em coma induzido.

Disseram-me que o caso se tinha agravado, que ele vomitou durante a noite, que começou a fazer demasiado esforço para respirar e que o coma induzido seria uma forma de ele não permanecer agitado e de o ajudar a respirar, de modo também a prepará-lo para a cirurgia de segunda-feira de manhã.

Anunciaram-me que a sorte dele era ser novo, mas que o grande problema era o sangue espalhado pelo cérebro, que poderia provocar sequelas e outras complicações. Porém, algo bom aconteceu.

Segundo o médico, criou-se um coágulo de sangue que permitiu “fechar” a veia, mantendo o sangue a circular dentro da mesma e permitindo que ele ficasse calmo e que a veia não voltasse a rebentar. A operação consistia na remoção do hematoma e desse coágulo, selando a veia através de um “clipe” e eliminado definitivamente o aneurisma.

Por outro lado, o meu pai falou com outra médica, que confirmou que a operação seria no dia seguinte de manhã e que seria melhor aguardarmos 48 horas antes de visitar o paciente, para não ficar perturbado.

No dia seguinte, segunda-feira dia 14, liguei várias vezes, querendo saber como tinha corrido a operação. No momento em que atenderam, por volta das 14h30, disseram-me simplesmente que não tinha sido realizada e que seria melhor deslocar-me ao Hospital São José, sem acrescentarem mais informações.

Eu própria tive de informar a mãe do David, visto que ninguém do hospital nos telefonou.

Mais uma vez, fomos de Coimbra até Vila Chã de Ourique buscar a mãe do David. Chegámos ao Hospital de São José e aí anunciaram-mos que o David tinha tido morte cerebral e que seria irreversível.

Não me deram mais detalhes. Completaram esta grave notícia, anunciando que no mesmo dia ou no dia seguinte ele seria operado para a doação de alguns dos seus órgãos”.

Morte resolve diferendo com os médicos

Este desfecho trágico já conduziu, entretanto, a uma resolução do problema que o causou, tendo apressado uma solução para o diferendo entre o Ministério da Saúde e os médicos quanto ao valor a pagar pelos serviços ao fim-de-semana.

Segundo o Expresso, “já foi possível chegar a acordo com a tutela para aumentar o valor pago aos especialistas pelo trabalho extraordinário aos sábados e domingos”.

Entretanto, Luís Cunha Ribeiro, o presidente da Administração Regional de Saúde de Lisboa e Vale do Tejo, Teresa Sustelo, presidente do conselho de administração do Centro Hospitalar de Lisboa Central (que inclui o Hospial de São José), e Carlos Martins, presidente do conselho de administração do Centro Hospitalar de Lisboa Norte (que inclui o Santa Maria), demitiram-se das suas funções.

Na conferência de imprensa onde foram anunciadas estas demissões, Luís Cunha Ribeiro, assumiu que “o Serviço Nacional de Saúde falhou“, realçando que “nos últimos anos, por cortes que tivemos na área da saúde, estivemos impossibilitados de ter recursos humanos para dar respostas a situações de doentes como este”.

O Ministério da Saúde anunciou já a abertura de um processo de inquérito para “avaliar eventuais responsabilidades” neste caso.

ZAP / Move

6 Comments

  1. Mais um caso em que os culpados vêm de trás, do governo ultra liberal do Coelho e do Irrevogável. Com a desarticulação das boas equipas de médicos e enfermeiros, a entrega a empresas privadas de prestação de serviços da contratação de médicos / enfermeiros meros tarefeiros pouco motivados, alguns a ganharem a “fortuna” de 6,50 / 2,70 euros á hora e os cortes brutais no orçamento da saude publica, degradaram de forma alarmante a qualidade dos serviços prestados, o que leva a estes casos extremos.

  2. Enquanto nao houver (des) governantes condenados por casos destes, devido a uma gestao de cortes cegos, em serviços essenciais…continua tudo na mesma. Mas de certeza que se faltasse o café a 5 centimos na assembleia, eles preocupavam-se mais.

  3. Em todo o mundo os médicos fazem o juramento de hipócrates… apenas em Portugal fazem o “hipócrita”, sim porque quem deixa alguém morrer por dinheiro não merece ser chamado de médico mas sim de mercenário!!!
    Tenho dito.

  4. <deviam ser todos presos . Mas o principal culpado é um incompetente que tem o nome de passos coelho. Até que enfim que lhe caiu a máscara

  5. Mas será que ninguém responsabiliza os médicos e gestores, se no Porto, como ouvi um responsável, isto não acontecia porque acontece em Lisboa. Difícil de compreender.

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