Uma equipa de cientistas pediu a líderes religiosos profissionais “sem experiência psicadélica” para tomarem psilocibina, o ingrediente ativo nos cogumelos mágicos. A maioria considerou a experiência “religiosamente significativa, com sentido e globalmente benéfica”.
Parece o início de uma anedota, mas é um estudo científico real: um rabino, um pastor, um monge e um padre ingeriram cogumelos mágicos — mas não entraram num bar.
Historicamente, várias religiões mundiais incorporam compostos psicadélicos nas suas práticas.
Este estudo, publicado no fim de maio na revista Psychedelic Medicine, é no entanto o primeiro a examinar o impacto que estas experiências teriam no trabalho profissional de líderes do Cristianismo, Islamismo, Judaísmo e Budismo — quatro das principais religiões do mundo.
O estudo, conduzido por Roland Griffiths, da Universidade Johns Hopkins, e Stephen Ross e Anthony Bossis, da Escola de Medicina Grossman da Universidade de Nova Iorque, analisa o papel de compostos psicadélicos como LSD, psilocibina, ayahuasca e peiote em cerimónias religiosas.
Embora os usos destas substâncias variem entre culturas e religiões, os investigadores observam que podem induzir experiências que partilham semelhanças com experiências “não desencadeadas farmacologicamente” frequentemente descritas como “religiosas, espirituais ou místicas“.
“As experiências místicas caracterizam-se por uma série de características subjetivas, incluindo um sentido de unidade, qualidade ‘noética’ (por exemplo, um sentido autoritário de verdade), transcendência do tempo e espaço, um sentido de reverência ou sacralidade, humor positivo intenso, transitoriedade que, no entanto, parece intemporal, presença na consciência de estados ou conceitos mutuamente exclusivos, e inefabilidade”, explicam os autores do estudo.
Os investigadores observam que este tipo de experiências também são algumas vezes observadas em estados de consciência “associados a experiências de quase-morte, meditação, oração, jejum, trabalho respiratório e música”.
Embora os psicadélicos continuem a ser usados em contextos religiosos indígenas, “geralmente não são usados nas principais religiões mundiais — por exemplo, Hinduísmo, Judaísmo, Budismo, Cristianismo, Islamismo.
Curiosos se estes líderes religiosos teriam experiências semelhantes e como essas experiências poderiam afetar o seu desempenho profissional, os investigadores recrutaram voluntários das quatro principais religiões.
Os resultados do estudo mostraram que os participantes experimentaram diversos tipos de impacto nas suas vidas pessoais e profissionais, incluindo “aumentos duradouros no bem-estar e espiritualidade“, que duraram até 16 meses após tomarem cogumelos mágicos.
Um rabino, um monge, um pastor e um padre entram num laboratório…
Segundo o The Debrief, a equipa começou por recrutar líderes religiosos que ocupavam uma posição de liderança reconhecida numa organização religiosa “bem estabelecida”, e com formação formal, ordenação, “ou equivalente” na sua tradição religiosa.
Os voluntários também deveriam ter uma posição com atividades profissionais que incluíssem “tempo significativo a interagir com aqueles que procuram orientação ou apoio religioso/espiritual”.
“Na avaliação da equipa do estudo, um candidato adequado teria de ser considerado um representante inequívoco da sua religião por outros membros dessa religião”, explicam os investigadores.
A seleção final incluiu 22 líderes de fés cristãs (quatro episcopais, quatro presbiterianos, três metodistas unidos, dois luteranos, dois da Igreja Unida de Cristo, um congregacional, um batista, um ortodoxo oriental, um pentecostal, um da Igreja Reformada na América, um católico romano e um unitário universalista), cinco do judaísmo (três ortodoxos, um reconstrucionista e um de renovação), um do islamismo (sunita) e um do budismo zen.
Para a primeira sessão de psilocibina, os 33 participantes, que tinham sido encorajados a trazer quaisquer itens religiosos ou pessoais para a sessão, foram colocados em “ambientes semelhantes a salas de estar mobilados com assentos confortáveis para os dois facilitadores, um sofá, mesas laterais e tapetes“.
Depois de tomar o que os autores do estudo descrevem como sendo uma dose “moderadamente alta” de psilocibina de 20mg/70kg, os participantes foram encorajados a deitar-se no sofá, usar vendas e auscultadores, e a “focar a sua atenção para dentro”. A mesma música pré-selecionada foi tocada para cada participante durante cada sessão.
24 dos 33 participantes receberam uma segunda dose de psilocibina 1 mês depois. 6 dos 24 participantes receberam a mesma dose, enquanto os restantes 18 tiveram a sua dosagem aumentada para 30mg/70kg.
Experiências psicadélicas “profundamente sagradas”
Como o estudo foi principalmente concebido para investigar como ingerir cogumelos mágicos poderia afetar as atividades de um líder religioso no contexto do seu trabalho, os investigadores realizaram duas avaliações aos participantes do estudo aos 6 e 16 meses após a experiência.
Nestas avaliações, os participantes do estudo foram questionados sobre mudanças na atitude, humor, interações sociais ou outros comportamentos pessoais “relacionados com a vocação religiosa/espiritual dos participantes”.
De acordo com os autores do estudo, a avaliação de 6 meses mostrou que, em comparação com um grupo de controlo que não tomou cogumelos mágicos, os líderes religiosos que tomaram o composto relataram “mudanças positivas significativamente maiores nas suas práticas religiosas, atitudes sobre a sua religião e eficácia como líder religioso, bem como nas suas atitudes, humores e comportamento não religiosos”.
Um segundo questionário, descrito pelos investigadores como “a medida secundária de maior relevância para o propósito deste estudo”, foi realizado 4 e 16 meses após as sessões. Este questionário foi completado apenas pelos 24 participantes que receberam uma segunda dose de psilocibina.
De acordo com o estudo, os participantes classificaram pelo menos uma das suas experiências com psilocibina como “entre as cinco mais espiritualmente significativas (96%), profundamente sagradas (92%), psicologicamente perspicazes (83%) e psicologicamente significativas (79%) das suas vidas”.
Cerca de 42% dos participantes classificaram uma das suas experiências como “a mais profunda da sua vida“.
Quando questionados sobre como as suas sessões afetaram o seu desempenho no trabalho, 78% dos participantes “apoiaram fortemente” a ideia de que as experiências transmitiram “efeitos positivos” nas suas práticas religiosas como oração ou meditação, e no seu sentido diário do sagrado.
Adicionalmente, 71% relataram “mudanças positivas na sua apreciação de tradições religiosas diferentes das suas”.
Os autores do estudo observam que “não houve eventos adversos graves neste estudo”. No entanto, 46% dos participantes classificaram a sua experiência como “entre as cinco mais psicologicamente desafiadoras das suas vidas”.