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O famoso truque de memória de Sherlock Holmes funciona mesmo

A famosa personagem fictícia Sherlock Holmes lembra-se de tudo, imaginando que está a armazenar pedaços de informação num “palácio da memória”, uma técnica originária na Grécia antiga. Agora, investigadores descobriram que este método realmente funciona para criar memórias duradouras.

Os utilizadores da técnica mnemónica, chamada de “método dos loci”, navegam mentalmente em torno de um lugar familiar – como o palácio de Sherlock Holmes. Para lembrar uma informação, “soltam-na” ao longo do caminho e depois refazem os seus passos e “apanham-na”.

Por exemplo, quem conhecer bem o Central Park na cidade de Nova Iorque, pode imaginar-se a andar nele, soltando a palavra “livro” na Boat House, a palavra “garrafa de água” na curva seguinte e, depois, a palavra “espaço” na fonte. Quando se quiser lembrar das palavras, refaz os seus passos exatos.

Ao treinar este método, os melhores campeões de memória do mundo conseguem lembrar-se de quantidades desordenadas de informações, como listas de palavras, séries de dígitos e baralhos de cartas. Porém, explica o LiveScience, os Campeonatos Mundiais de Memória testam apenas a memória de curto prazo.

“Ficámos fascinados com a forma como o desempenho extraordinário da memória, como mostrado nos Campeonatos Mundiais de Memória, é possível”, disse Isabella Wagner, neurocientista cognitiva da Universidade de Viena, na Áustria.

O método dos loci usa lugares ou rotas conhecidas como um “andaime” ou “estrutura” para inserir informações novas e não relacionadas. Segundo a especialista, a combinação de conhecimento prévio e a nova informação “é muito poderosa para aumentar a memória”.

Para avaliar este método, Wagner e a sua equipa inscreveram 17 “atletas de memória” – classificados entre os 50 melhores do mundo em competições de memória – e 16 outras pessoas que eram parecidos com os atletas em características como idade e inteligência.

Os investigadores fizeram exames de ressonância magnética funcional (fMRI) dos cérebros dos participantes enquanto pediam que estudassem palavras aleatórias numa lista. De seguida, os cientistas apresentaram aos participantes três palavras de cada vez e pediram que se lembrassem se as palavras estavam na mesma ordem.

Na segunda parte do estudo, inscreveram 50 participantes que anteriormente não tinham experiência em mnemónica e treinaram 17 deles durante seis semanas para relembrar memórias usando o método de loci. Os restantes participantes estavam no grupo de controlo – 16 eram “controlos ativos”, o que significa que foram treinados usando uma tática de memória diferente chamada “treino da memória operacional”, e 17 eram “controlos passivos”, o que significa que não foram treinados.

A equipa analisou novamente os cérebros dos participantes com fMRI enquanto realizavam as mesmas tarefas, antes e depois do treino, e pediu aos participantes que se lembrassem que palavras estavam na lista, 20 minutos e 24 horas após as análises.

O teste foi usado para definir “memórias fracas” e “memórias duráveis”.

Após 20 minutos, as pessoas treinadas com o método dos loci lembravam-se de cerca de 62 palavras da lista, enquanto as que foram treinadas com o outro método se lembravam de 41 e as que não foram treinadas se lembravam de 36. Após 24 horas, pessoas que foram treinadas com o método dos loci lembravam-se de cerca de 56 palavras, contra 30 e 21 nos grupos de controlo, respetivamente.

Quatro meses depois, os cientistas testaram novamente a capacidade dos participantes de memorizar e lembrar palavras e perceberam que os indivíduos que usaram o método dos loci mostraram uma melhor memória (e mais duradoura), do que os indivíduos cuja memória não foi treinada ou que usaram a outra técnica de memorização.

Os participantes que treinaram com este método mostraram um aumento significativo nas memórias duráveis, mas não uma mudança significativa nas memórias fracas, em comparação com os grupos de controlo.

Passados quatro meses, as pessoas treinadas com o método dos loci conseguiam lembrar-se de cerca de 50 palavras, contra 30 e 27 nos grupos de controlo, respetivamente.

Além disso, os campeões mundiais de memória e os participantes que treinaram com o método dos loci mostraram atividade cerebral semelhante ao memorizar listas e ordenações de palavras.

A equipa também se deparou com algo inesperado: enquanto os indivíduos participavam nas tarefas, a atividade nos seus cérebros diminuiu em regiões tipicamente envolvidas no processamento de memória e memória de longo prazo. “Isso foi um tanto surpreendente para nós, já que um melhor desempenho está normalmente associado a um maior envolvimento de diferentes regiões do cérebro”, disse Wagner.

Noutras palavras, os cientistas descobriram que uma menor ativação do cérebro leva a uma melhor memória, o que pode ser explicado pelo facto de o método dos loci fazer com que o cérebro trabalhe de forma mais eficiente.

Além disso, enquanto os participantes descansavam, aqueles que tinham sido treinados com o método dos loci tiveram um aumento da atividade cerebral relativa ao armazenamento de memória de longo prazo.

Segundo a neurocientista, quase qualquer pessoa pode aprender a usar o método dos loci. “Obviamente, requer tempo e prática regular e, portanto, pode não ser adequado para todos, mas é definitivamente possível impulsionar a memória e alcançar um desempenho de memória alto, ou mesmo excecional”, disse Wagner.

Ainda não é claro se a técnica pode ajudar a aliviar o declínio cognitivo durante o envelhecimento saudável ou se pode ser útil para prevenir ou retardar doenças. “No entanto, estamos bastante entusiasmados com estes resultados” que trazem muitas novas questões para serem investigadas em futuros estudos, concluiu.

Este estudo foi publicado este mês na revista científica Science Advances.

Maria Campos, ZAP //

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