TikTok, peluches e Manchester City? Guerra em Myanmar transforma crianças em snipers — matam às dezenas

Uma guerra civil silenciosa — mas não para quem a vive. Há crianças de 12 anos a matar gente em Myanmar. Deixaram de contar as vítimas, e pouco a pouco deixam também de fazer danças no TikTok.

Treinada como sniper, a adolescente de 18 anos Anina (nome de guerra) já matou mais homens do que gosta de recordar. “Deixei de contar ao terceiro”, comenta numa reportagem do The Guardian.

Tem namorado, também militar, adora o Manchester United e as danças do TikTok. Mas há 4 anos foi enviada para uma unidade de resistência exclusivamente masculina — para matar pessoas na guerra civil. Combate com um urso de peluche preso à farda, e é altamente temida e respeitada: é uma das melhores atiradoras.

Juntou-se ao conflito armado aos 14 anos, mas desde pequena que gosta de disparar. “Não tenho medo do som da arma”, diz, explicando que participava em criança em concursos de caça. “O meu pai ensinou-me a focar e a concentrar-me no alvo.”

“Disseram-nos que os homens e as mulheres seriam tratados da mesma forma”, conta. “Mas quando fomos para a linha da frente, pediram às raparigas que cozinhassem. Eu não gosto de cozinhar”.

Decidiu então juntar-se à linha de combate. Aprendeu com um experiente soldado norte-americano que se juntou ao conflito. Anina deixou a escola (odiava matemática), e aprende agora uma matéria bem diferente — estratégias de guerra. O TikTok também ficou para trás: “hoje em dia, não me apetece dançar tanto”.

Agora, foi ferida em combate — anda de muletas. Não vê a família há um ano, mas não se arrepende da sua escolha: “Vou ficar até ganharmos”, afirma.

E não está sozinha. Segundo um relatório da  ONU de 2022, centenas de crianças a partir do 12 anos combatem nesta guerra. 260 rapazes e 20 raparigas adolescentes foram recrutados tanto pelo exército como por milícias.

Que conflito é este?

A guerra civil em Myanmar, também conhecida como Birmânia (o nome mudou oficialmente em 1989), começou em 2021, quando os militares tomaram o poder num golpe de Estado. O golpe militar suscitou uma grande onda de contestação interna, mas o militares começaram a prender a oposição política.

Milhares de civis juntaram-se às chamadas forças de defesa do povo para tentar combater o regime militar no poder, a que se juntam milícias armadas de diferentes etnias e locais do país.

De acordo com um estudo da BBC publicado em dezembro, os militares controlavam já apenas 21% do território, tendo sofrido derrotas históricas e perdido inclusivamente territórios fronteiriços. Os revoltosos contam com a ajuda militar da China.

No desenrolar do conflito, foram já denunciados diversos crimes de guerra, e já morreram crianças e outros civis em ataques. Só entre janeiro e setembro de 2024, pelo menos 250 crianças foram mortas ou feridas por minas terrestres e resíduos de guerra explosivos. No ano todo, 750 crianças foram mortas ou mutiladas.

De acordo com a UNICEF, as crianças representam mais de 33% dos quase 3,5 milhões de pessoas deslocadas no próprio país, em fuga das zonas de conflito armado intenso.

Carolina Bastos Pereira, ZAP //

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