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Teletransporte: uma questão de ação fantasmagórica à distância (com uma pitada de impressão 3D)

ZAP // Dall-E-2

O conceito de teletransporte, frequentemente explorado na ficção científica e imortalizado na icónica saga Star Trek, pertence até agora exclusivamente ao reino da fantasia.  Mas muitas das fantasias com que Gene Roddenberry sonhou são hoje realidade.

Avanços recentes nas áreas da física e da engenharia, mais os que no futuro próximo se adivinham, prometem mudar por completo as condições para que uma fantasia se torne realidade: o teletransporte de objetos físicos.

Quando surgiu no pequeno ecrã, nos anos 1970, a mítica saga Star Trek trazia um manancial de ideias loucas do campo da ficção científica, entre os quais “tricorders” usados por médicos e engenheiros, tele-comunicadores pessoais, “replicadores” que cozinham o que quisermos e… tele-transportadores.

Há muitos anos que os “tricorders” e os telemóveis deixaram de ser ficção. Os “replicadores” deixaram de ser fantasia mais recentemente — e não estamos a falar de bimbys, mas de imprimir alimentos frescos com tecnologia de impressão 3D. Faltam os tele-transportadores.

Em Star Trek, o processo de teletransporte envolve a conversão de matéria em energia, transmitindo essa energia para um local alvo e, em seguida, reconvertendo-a em matéria.

Numa das mais recentes instalações da saga, Star Trek Discovery, ficámos a saber que a matéria que é convertida em energia é guardada numa “matriz na nuvem” e destruída, podendo ser reconstruida no local de destino (ou não).

Star Trek mostra como é que a matéria é lida no local de origem e explica onde fica armazenada essa energia antes de ser de novo transformada em energia, mas não explica como a energia é reconvertida em matéria no destino. Parece magia.

Os físicos teóricos que se dedicam a sonhar com o teletransporte postulam que o processo envolveria ler todas as propriedades da matéria que constitui o objeto a transportar e transmitir à distância esses dados para o local de destino, onde seriam usados para “transformar matéria prima” no objeto original.

Já sabemos que seria “simples”, no local de destino, imprimir em 3D qualquer objeto — desde que tivéssemos todos os materiais necessários (átomos, moléculas, proteínas básicas), e toda a informação acerca da composição, estrutura e propriedades desses materiais no objeto final.

Mas de que forma se poderia transmitir à distância, instantaneamente, toda a informação do que constitui o objeto inicial?

A resposta é também “simples”: o entrelaçamento quântico, uma teoria da física postulada há décadas e que nos últimos anos começou a conhecer as primeiras aplicações práticas — com destaque para a computação quântica.

No coração desta ideia está o fenómeno da “ação fantasmagórica à distância“, um termo cunhado por Albert Einstein para descrever o entrelaçamento quântico.

Este princípio estranho, mas fundamental, da mecânica quântica, sugere que “partículas interligadas quanticamente”, que tenham inicialmente interagido,  podem influenciar instantaneamente as propriedades uma da outra, independentemente da distância que as separa.

Embora Einstein fosse inicialmente cético, experiências subsequentes confirmaram esta peculiaridade quântica, abrindo novos horizontes na física e na tecnologia.

Em 2017, uma equipa de investigadores chineses conseguiu mesmo aplicar a “ação fantasmagórica à distância” a duas massas de partículas a 1200 km de distância uma da outra. Quando as propriedades de uma das massas de partículas foram alteradas, as da outra apareceram instantaneamente alteradas também.

Mais recentemente, em dezembro, uma equipa de investigadores conseguiu teletransportar imagens usando apenas luz — conseguindo provar uma vez mais que é possível transportar informação à distância, instantaneamente.

Quão longe isso nos deixa do teletransporte de objetos físicos?

Não muito — se considerarmos que teletransportar objetos não implicaria mover fisicamente e instantaneamente um objeto do ponto A para o ponto B (isso ainda está no campo da magia), mas ler o objeto, destruí-lo, transmitir informação, e reconstruir o objeto no destino — átomo a átomo, camada a camada.

Este processo, embora teoricamente plausível, enfrenta enormes desafios técnicos e científicos.

Os obstáculos técnicos incluem, à cabeça, a necessidade de ler e transmitir uma quantidade astronómica de informação a nível quântico, algo que excede em muito a capacidade atual da tecnologia. Note-se: a capacidade atual.

Além disso, no que diz respeito ao ainda mais longínquo sonho de teletransportar de seres humanos, surgem complexas questões éticas, morais e filosóficas. O processo implicaria a “desmontagem e reconstrução” de um ser humano, levantando dúvidas sobre o que é a sua essência, identidade e consciência.

Apesar destes desafios, o progresso nestas áreas sugere que o teletransporte, pelo menos de objetos inanimados, poderá tornar-se uma realidade num futuro não muito distante.

E num outro futuro, um pouco mais afastado no tempo, talvez possamos mesmo vir a dizer “Beam me up, Scotty“.

Armando Batista, ZAP //

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