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Chicago, 1931. Homens fazem fila num estabelecimento onde era fornecida comida gratuita aos desempregados durante a Grande Depressão
Donald Trump parece não aprender nada com a história. O impacto das tarifas impostas pelo líder dos EUA pode ter um impacto na vida e sociedade norte-americanas muito semelhante ao que a lei Smoot-Hawley Tariff Act provocou.
Imagine que acorda em 1932 numa cidade norte-americana qualquer. Ao pedir a sua chávena de café habitual, descobre que o preço duplicou em relação ao ano anterior. Não porque o café seja escasso, mas porque a importação de grãos colombianos é agora muito mais cara devido às novas barreiras comerciais.
Esta situação repete-se com o açúcar, o chá e o cacau, produtos de consumo quotidiano que se tornaram subitamente produtos de gama alta.
Esta mudança dramática resultou de uma das decisões mais prejudiciais da história económica moderna: a lei Smoot-Hawley Tariff Act, promulgada em junho de 1930.
A lei, promovida pelo Senador Reed Smoot e pelo Congressista Willis C. Hawley, destinava-se a proteger os agricultores norte-americanos na sequência da queda da bolsa de 1929.
No entanto, o projeto de lei inicial foi rapidamente alargado sob pressão dos lobbies industriais, passando a abranger mais de 20.000 produtos, incluindo produtos manufacturados, com tarifas que atingiam em média 40% e, em alguns casos, ultrapassavam os 100%.
Longe de ajudar a economia, como explica a especialista de negócios e comércio mundial da Universidade IE (Espanha), Deniz Torcu, no The Conversation, esta medida contribuiu para o colapso do comércio internacional.
Países como o Canadá, França, Itália, Alemanha e Reino Unido responderam com os seus próprios direitos aduaneiros punitivos sobre os produtos americanos. Estas tarifas de retaliação criaram uma reação em cadeia: a cooperação internacional enfraqueceu, as exportações dos EUA caíram 61% entre 1929 e 1933 e o comércio mundial contraiu-se em mais de 60%.
Esta situação agravou ainda mais a Grande Depressão, afetando especialmente as economias dependentes do comércio externo e exacerbando as tensões geopolíticas da década de 1930.
Consequências globais e a lição esquecida
A subida em flecha da inflação, a destruição maciça de postos de trabalho e o declínio da qualidade de vida tornaram-se testemunhos dolorosos do fracasso do protecionismo.
A contração do comércio mundial não só paralisou indústrias-chave, como desestabilizou economias inteiras que dependiam das exportações para sustentar o crescimento.
As moedas desvalorizaram-se, os défices orçamentais dispararam e, numa reação em cadeia, os sistemas financeiros entraram em colapso.
A década de 1930 assistiu não só a uma crise económica, mas também a uma transformação do sistema internacional alimentada, em parte, por decisões comerciais e políticas erradas.
Uma lição histórica que, como demonstra o caso contemporâneo das tarifas de Trump, continua a ser ignorada pelos líderes que dão prioridade a medidas populistas de curto prazo em detrimento da estabilidade económica global.
Porque é que as tarifas nunca cumprem a sua promessa?
Após décadas de progressos na liberalização do comércio, impulsionados por organizações multilaterais como a Organização Mundial do Comércio, as Nações Unidas e a OCDE, parecia que as lições tinham sido aprendidas. No entanto, o segundo mandato presidencial de Trump reavivou paralelos perturbadores com Smoot-Hawley.
Os dados históricos e contemporâneos mostram claramente que os direitos aduaneiros raramente funcionam como um instrumento eficaz de proteção económica. Num sistema global interdependente, as cadeias de abastecimento atravessam várias fronteiras antes de chegarem ao consumidor final. O aumento dos direitos aduaneiros resulta em custos de produção mais elevados, prejudicando tanto os consumidores como as empresas- até nos países que os aplicam.
Para além dos Estados Unidos, outros países também recorreram ao protecionismo com resultados adversos. A Argentina, por exemplo, implementou uma política de substituição de importações com tarifas elevadas e restrições comerciais durante décadas. Embora inicialmente tenha promovido o desenvolvimento industrial, a longo prazo conduziu a uma perda de competitividade, a uma inflação elevada e à dependência do Estado para apoiar sectores ineficientes.
O Brasil teve uma experiência semelhante: nas décadas de 1980 e 1990, as suas barreiras pautais protegeram temporariamente certas indústrias, mas também reduziram a qualidade dos produtos e asfixiaram a inovação tecnológica.
A Índia, até às reformas económicas de 1991, tinha um dos regimes tarifários mais protecionistas do mundo, o que, consequentemente, limitou sua inserção no comércio global e atrasou o seu crescimento económico.
Deniz Torcu enumera os três principais efeitos negativos do protecionismo:
- Aumento dos preços para os consumidores.
- Perda de competitividade das empresas e destruição de emprego.
- Redução do crescimento económico mundial devido à incerteza e ao declínio do comércio internacional.
Rumo a uma economia cooperativa e resistente
A história económica, desde a lei Smoot-Hawley até à recente guerra comercial promovida por Trump, demonstra claramente que o protecionismo não só é ineficaz, como também contraproducente.
Num mundo em que as cadeias de valor são globais e a inovação depende da cooperação transnacional, o fecho das fronteiras económicas enfraquece a resiliência coletiva.
O protecionismo pode parecer uma solução imediata para crises económicas ou pressões internas, mas as suas consequências a longo prazo são quase sempre mais onerosas do que os seus benefícios aparentes. Em vez de reforçar as indústrias nacionais, isola-as; em vez de proteger os empregos, destrói oportunidades futuras.
Aquela chávena de café em 1932 tornou-se o símbolo de uma economia fechada. Em 2025, poderão ser as baterias dos carros elétricos, os medicamentos ou os produtos alimentares de base a recordar-nos, uma vez mais, o elevado custo de uma interferência negativa no comércio mundial.
“Apostar na cooperação internacional, na diversificação dos mercados e no investimento na competitividade sustentável é agora, mais do que nunca, a única forma inteligente de avançar“, conclui a professora Deniz Torcu.
ZAP // The Conversation
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