Na Suécia, vários pais criaram uma nova app escolar (e foram acusados por o terem feito)

Pais criaram uma nova app para substituir a usada pela escola dos filhos, que tinha vários problemas de funcionamento. Mas foram acusados pela cidade.

O site oficial da escola City of Stockholm, na Suécia, foi lançado em 2018 e, desde então, representava um desafio para os pais de todos os alunos porque não funcionava corretamente.

“Todos os utilizadores e os pais estavam zangados”, disse Christian Landgren, pai de três alunos, que sempre teve dificuldade em entender como usar aquela plataforma.

Mas esse nunca foi o objetivo da Skolplattform. A app foi criada para facilitar a vida de até 500 mil crianças, professores e pais, atuando como a espinha dorsal para toda a educação, desde o registo de presenças até ao registo de notas.

A plataforma é um sistema complexo composto por três partes diferentes, contendo 18 módulos individuais que são mantidos por cinco empresas externas. O sistema de expansão é utilizado por 600 pré-escolas e 177 escolas, com logins separados para cada professor, aluno e encarregado de educação. O único problema? Não funciona.

O site, que custou mais de mil milhões de coroas suecas (100 milhões de euros), não conseguiu cumprir o seu objetivo inicial: pais e professores queixam-se da complexidade do sistema. A versão Android da app tem uma classificação média de 1,2 estrelas.

Em outubro do ano passado, Landgren, que é programador e CEO da empresa sueca de consultoria Iteam, publicou, no Twitter, uma imagem de um chapéu gravado com as palavras “Skrota Skolplattformen” –  algo como “deitem ao lixo a plataforma escolar”.

Semanas mais tarde, decidiu resolver o assunto com as próprias mãos. “A partir da minha própria frustração, comecei a criar a minha própria aplicação“, contou Landgren, em declarações à Wired.

O encarregado de educação começou a trabalhar na nova plataforma no final de novembro de 2020, poucos dias depois de o Conselho de Educação de Estocolmo receber uma multa de 4 milhões de coroas suecas por “falhas graves” na Skolplattform.

Integritetsskyddsmyndigheten, o regulador de dados da Suécia, encontrou graves falhas na plataforma que tinham exposto os dados de centenas de milhares de pais, crianças e professores. Em alguns casos, as informações pessoais podiam ser acedidas a partir de pesquisas no Google.

Nas semanas que se seguiram, Landgren juntou-se a outros pais — Johan Öbrink e Erik Hellman —, que também são programadores, e criou uma versão de código aberto da Skolplattform. A equipa abriu as ferramentas de desenvolvimento do Chrome, entrou no Skolplattform, e anotou todos os URLs úteis. Depois, usaram o código e construíram packages para que esta pudesse ser usada num telemóvel, criando uma camada em cima da Skolplattform existente e com falhas.

O resultado foi a Öppna Skolplattformen, ou Plataforma Escolar Aberta, que foi lançada a 12 de fevereiro de 2021, com o código publicado sob uma licença de código aberto no GitHub.

Por ser de código aberto, qualquer pessoa podia utilizá-lo. Mas, em vez de o acolherem de braços abertos, as autoridades locais reagiram com indignação e, mesmo antes de a aplicação ser lançada, a cidade de Estocolmo avisou Landgren de que poderia ser ilegal.

Nos oito meses que se seguiram, as autoridades suecas tentaram encerrar a aplicação de código aberto, avisando os pais para deixarem de a utilizar porque poderia estar a aceder ilegalmente às informações pessoais das pessoas. Os funcionários denunciaram a aplicação às autoridades de proteção de dados e, segundo Landgren, alteraram o código de base do sistema oficial para impedir o funcionamento do spin-off.

Depois, em abril, a cidade anunciou que a polícia tinha sido envolvida, acusando os cofundadores da app de terem cometido uma violação de dados e pedindo aos investigadores de crimes informáticos que investigassem o funcionamento da aplicação.

A medida levou Landgren, que se tinha reunido com autoridades oficiais para abordar as preocupações sobre a aplicação, a ficar surpreendido. “Foi bastante assustador”, disse.

E a Öppna Skolplattformen não é uma plataforma complicada, escreve a Ars Technia. Enquanto a Plataforma Escolar oficial foi construída para todos os envolvidos na educação na capital sueca — 200 mil pais, 23.500 membros de pessoal escolar e 140 mil estudantes —, a nova app estava em funcionamento apenas para os pais. O aplicativo, que custa um euro, foi descarregado cerca de 12.500 vezes no iPhone e Android (com uma classificação média de 4,2 estrelas) e mostra apenas informação básica.

Os pais entram no sistema de identidade digital sueco BankID, que também é utilizado pelo formulário Skolplattform, e podem ver informações sobre os seus filhos que têm origem na API da Skolplattform. A aplicação mostra calendários escolares e eventos, notificações de professores, notas e atualizações de notícias, ementa dos refeitórios, e uma opção para informar a escola se crianças estiverem doentes.

“Tudo o que exibimos é informação aberta e pública”, disse Öbrink, um dos cofundadores da Öppna Skolplattformen, explicando que quando são mostradas as notas dos alunos, estas são exibidas através de um navegador onde a aplicação não pode aceder a quaisquer dados.

“Foi uma espécie de sucesso acidental”, acrescenta Öbrink. “Nunca previmos que funcionasse tão bem como funcionava”, continuou.

Além disso, o cofundador garante que a equipa da Öppna Skolplattformen realizou reuniões com as autoridades locais, nas quais foi autorizada a utilizar o código para fazer uma nova versão da aplicação.

Lena Holmdahl, diretora de educação da cidade de Estocolmo, disse que a cidade agiu de acordo com as suas responsabilidades para com os seus fornecedores, estudantes e empregados.

“Posso compreender que a Plataforma Escolar Aberta sinta que lhes dificultamos a vida”, disse Holmdahl, explicando que há responsabilidades que tentam cumprir de acordo com os acordos, leis, e regulamentos.

A diretora de educação acrescentou ainda que a cidade se reuniu com a equipa para tentar explicar a sua posição. “Os criadores por detrás da aplicação têm muitos pensamentos e ideias interessantes e, com a sua aplicação, puseram o dedo nas coisas em que precisamos de trabalhar“, concluiu.

“Escreveram o relatório policial de uma forma que deveria parecer assustadora”, disse Landgren, que foi entrevistado por investigadores de cibercrime sobre a app de código aberto. Mas o programador continuou a trabalhar no projeto, juntamente com uma equipa em expansão, pois acreditava que era a coisa certa a fazer.

Enquanto a disputa se desenrolava, Öppna Skolplattformen continuou a crescer em popularidade — incluindo um aumento do número de pessoas envolvidas no seu desenvolvimento.

Um grupo de até 40 pessoas trabalharam no desenvolvimento da aplicação, encontrando e resolvendo erros, desenvolvendo uma funcionalidade de pesquisa e traduzindo a aplicação para diferentes línguas. A equipa incluiu designers, advogados e programadores. “Como cidadãos privados, estamos altamente digitalizados”, disse Landgren.

O mais recente relatório da OCDE sobre digitalização governamental, publicado em 2019, classifica a Suécia no fundo dos 33 países analisados.

“Quando utilizamos estas ferramentas oficiais, elas ficam presas nos anos 90”, disse Landgren. “Para colmatar essa lacuna, nós, e muitas outras pessoas que se juntaram a nós, pensamos que a fonte aberta é provavelmente a melhor forma de começarmos a colaborar”, continuou, argumentando que o desenvolvimento dos cidadãos pode ser mais eficaz do que os projetos de informática governamentais dispendiosos, que levam anos a estar concluídos e estão desatualizados quando ficam prontos.

“Mostra muito claramente algumas das formas como a digitalização da Suécia correu mal”, disse Mattias Rubenson, secretário do ramo sueco do Pirate Party, que tem vindo a relatar os problemas que tem com a Skolplattform.

“Existe, em geral, a possibilidade de uma plataforma escolar ser boa. Mas é necessário envolver os estudantes, e especialmente os professores, no desenvolvimento desde o início. Não tem havido nada disso na Plataforma Escolar”, disse.

A Öppna Skolplattformen teve de esperar meses para ser libertado, mas a líder da investigação preliminar da polícia, Åsa Sköldberg, disse que o departamento não acredita “que tenha sido cometido qualquer crime”. O regulador de dados Integritetsskyddsmyndigheten não abriu uma investigação sobre a queixa da cidade, disse ainda um porta-voz.

ZAP //

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