Sem saber, o galo Maurice foi um presságio para uma grande reviravolta da legislação em França (ou, pelo menos, o início de uma).
No ano passado, os donos de uma casa de férias na ilha francesa de Oléron queixaram-se de que o galo Maurice cantava cedo demais. No entanto, o tribunal decidiu que o “símbolo da França rural” pode cantar quando lhe apetecer.
“Sempre houve barulho no campo”, disse Corinne Fesseau, dona do galo gaulês, que vive em Saint-Pierre-d’Oléron há 35 anos. “Quando as pessoas estão no campo, têm de aceitar os barulhos, tal como aceitam os barulhos da cidade.”
Maurice tornou-se o símbolo de um conflito ainda maior. À medida que os “neo-rurais” se deslocam das cidades para as pequenas aldeias, e as próprias cidades se expandem para invadir as comunidades rurais que as cercam, mais queixas contra as vistas, sons e cheiros da vida no campo chegam aos tribunais franceses.
Com tantas queixas acerca do mundo rural, os autarcas das pequenas comunidades são solicitados a intervir, apesar de a maioria hesitar fazê-lo. Segundo o Atlas Obscura, alguns governantes começaram a erguer nas suas aldeias sinais para alertar os visitantes de que sinos de igrejas, galos e rebanhos de ovelhas fazem parte do “pacote rural”.
“Se não consegue lidar com isso, está no lugar errado”, lê-se num dos sinais.
Pierre Morel-à-L’Huissier, o deputado que representa a zona rural de Lozère na Assembleia Nacional da França, explicou que este assunto faz as pessoas rir num primeiro momento, mas é mais sério do que imaginamos: “aborda algumas considerações complicadas entre a vida rural e a vida urbana”.
Em setembro do ano passado, Morel-à-L’Huissier apresentou uma nova proposta de lei à Assembleia Nacional Francesa: a Lei de Proteção do Património Sensorial do Interior de França.
O responsável introduziu, assim, um novo conceito – “herança sensorial” – no sistema jurídico francês. Pela primeira vez, os sons e os cheiros que animais como Maurice fazem serão explicitamente protegidos pela lei e reconhecidos como elemento integrante de um local.
Em janeiro, a proposta foi aprovada em unanimidade pela Assembleia Nacional e será agora votada pelo Senado, uma votação que foi adiada devido à pandemia de covid-19. Morel-à-L’Huissier mantém a esperança de que a lei ainda possa ser aprovada este ano.