A história da socialite peruana que foi crucial para o sucesso dos Aliados no Dia D

Arquivo Nacional do Reino Unido

Elvira de la Fuente, socialite e espiã peruana que ajudou os Aliados na 2.ª Guerra Mundial

Numa madrugada de 1942, Elvira de la Fuente disse a alguns amigos que tinha encontrado um emprego bem remunerado, que estava a aprender um código do serviço secreto britânico e que em breve seria enviada numa missão à França.

O livro Los Secretos de Elvira (Os segredos de Elvira, em tradução direta) do escritor peruano Hugo Coya, conta que um agente encarregado de a monitorizar registou a “infidelidade” no seu arquivo, pois “a informação poderia chegar aos alemães”.

O serviço secreto era o MI6 e Elvira foi “severamente” criticada pela imprudência e interrogada sobre os amigos a quem tinha contado o segredo. Felizmente, eles não tinham ligações com os nazis.

A dificuldade inicial em guardar segredos não foi a única “fraqueza” que fez dela uma agente secreta improvável. Enquanto o imaginário popular retratava os agentes como reservados e discretos, Elvira ia a festas, bebia muito, desperdiçava dinheiro em jogos de azar, era popular e bissexual, o que era escandaloso na época.

Vida agitada

A história de Elvira era quase desconhecida até 1995, quando ela deu uma entrevista a um jornal.

O seu nascimento está registado em dois locais: em Lima, em 1912; e em Paris, em 1911. Apesar dessa ambiguidade, “ela certamente era peruana”, diz Hugo Coya.

Além disso, embora Elvira tenha crescido e estudado em Paris, a sua educação “teve muitos laços com o Peru”. Elvira era filha de Edmundo de la Fuente, diplomata peruano e rico importador de guano. A sua mãe, Dolores Martínez, vinha de uma família de origem espanhola e cubana que possuía um império de tabaco.

Desde criança, Elvira era popular e preocupada em estar sempre bem vestida. Formou-se em Ciência Política, era agnóstica e questionava as ideias e costumes da época, como a obrigatoriedade das mulheres se casarem e terem filhos.

Até que em 1931 pareceu ceder à ideia de se apaixonar, quando conheceu o belga Jean Chaudoir, herdeiro de uma família dedicada à compra e venda de ouro. O casamento ocorreu em Paris em 1934.

Mas o tédio começou a instalar-se na vida de Elvira, com infidelidades de ambos os lados. O casamento acabou depois de quatro anos.

A jovem regressou a Paris e depois instalou-se em Cannes, no sul de França, onde se dedicou a desperdiçar o seu dinheiro em casinos. Até que o início da Segunda Guerra Mundial a forçou a mudar de rumo.

Recrutamento

Diante da ocupação alemã na França, Elvir fugiu para Londres em setembro de 1939 e tentou levar a mesma vida de festas que desfrutava em Cannes, segundo Coya.

Porém, era cada vez mais difícil para Elvira manter este estilo de vida. Por causa da guerra, os seus pais não lhe podiam enviar dinheiro, então ela ficou cada vez mais endividada.

Coya conta em seu livro que uma noite, no Hamilton Club, em Londres, um oficial da Força Aérea Real ouviu Elvira a reclamar e informou a inteligência militar britânica “sobre uma mulher de um país neutro, que fazia parte dos mais altos círculos sociais” e “estava a passar por algumas dificuldades económicas”.

Um homem identificado como “Masefield” entrou em contato com Elvira. “Masefield” era Claude Edward Marjoribanks Dansey, vice-diretor do MI6, o serviço secreto de inteligência britânico, que disse a Elvira que ela tinha algo valioso na época: um passaporte peruano.

Como o Peru era então um país neutro na guerra, Elvira poderia circular pela Europa. No entanto, alguns oficiais do MI6 opuseram-se ao seu recrutamento. “Eles argumentaram que incorporar uma pessoa com esse estilo de vida acarretava perigos: ela poderia ser vítima de chantagem ou cair numa emboscada sexual”, escreve Coya.

Mas “esse era precisamente o valor de De la Fuente, ninguém acreditaria que ela era uma espiã”.

Depois de analisar as vantagens e desvantagens, o serviço secreto confiou-lhe uma primeira missão. Para se preparar, aprendeu a escrever cartas com tinta invisível e foi treinada para responder perguntas ou detetar quando alguém estava a mentir.

Agente dupla

O serviço secreto britânico ordenou que ela se hospedasse no Hotel Martínez, em Cannes  — que, devido às dívidas do proprietário, tinha sido deixado para uso gratuito dos nazis — e que se dedicasse à vida social que sempre manteve.

Mas várias semanas passaram sem que ela conseguisse que o inimigo a recrutasse. Até que uma noite, num bar, o dono do hotel apresentou a peruana a “Bibi”, que na verdade se chamava Helmut Bliel e que era agente de Hermann Goering, comandante da força aérea nazi.

“Bibi” convidou-a várias vezes para jantar e aos poucos criaram uma relação de confiança. Numa reunião, o alemão afirmou que tinha alguns amigos que estavam a procurar alguém que lhes enviasse informações de jornais económicos da Grã-Bretanha.

A jovem voluntariou-se para fazer o trabalho, mas assim que começou, os “amigos” mudaram a natureza das informações que iriam pedir. Já não fariam perguntas sobre economia, e sim sobre questões bélicas.

Rede de espiões

Elvira tinha conseguido infiltrar-se entre os nazis e, por isso, em outubro de 1942, os britânicos incluíram-na no Comité XX, “o projeto mais ambicioso e secreto de espionagem britânica até então”, escreve Coya.

A inteligência britânica criou uma equipa de agentes para dar informações falsas às agências de inteligência alemãs.

Elvira entrou “com a condição de que não a deixassem sozinha nem a perdessem de vista em nenhum momento”, escreve o autor, devido ao seu perfil atípico e à infidelidade que tinha cometido anteriormente.

Mas depois “mudou de atitude e levou muito a sério o que fazia, percebeu a importância do seu papel, cumpriu rigorosamente as ordens que lhe foram dadas, o que permitiu que a sua colaboração se tornasse valiosa”, explica Coya à BBC.

A espiã cumpriu diversas missões importantes, segundo Coya. Numa delas, levou a agência de inteligência alemã Abwehr a acreditar que os britânicos tinham armas químicas e poderiam, portanto, retaliar da mesma forma caso os alemães lançassem um ataque químico a Londres.

Mais tarde, a missão mais importante de Elvira ajudou os Aliados a vencerem a guerra.

O dia D

Os alemães confiaram em Elvira porque, ao contrário de outros espiões, ela enviava informações supostamente obtidas na alta sociedade britânica misturadas com dados militares.

Em fevereiro de 1944, os nazis sabiam que os Aliados planeavam desembarcar na França, mas não sabiam o local exato. Pediram então a Elvira que descobrisse onde e quando aconteceria, e que enviasse a informação por telegrama para um banco de Lisboa.

O código acordado com os alemães era que no telegrama ela deveria pedir dinheiro ao ex-marido para ir ao dentista. A quantia de que ela precisava indicaria o código do local onde os Aliados desembarcariam.

Em 27 de maio de 1944, Elvira enviou uma mensagem aos nazis com uma informação propositalmente errada: pediu 50 libras, confirmando que os Aliados chegariam no Golfo da Biscaia, no sudoeste da França. Toda uma divisão de tanques alemães (a 11ª Divisão Panzer) ficou ali, longe da Normandia, que fica no noroeste, onde realmente ocorreu o desembarque.

O Dia D ou Desembarque na Normandia, em 6 de junho de 1944, marcou o início da derrota do Eixo, formado pela Alemanha, Itália e Japão.

Os outros agentes também enviaram informações falsas sobre o desembarque, o que impediu que os nazis tivessem forças suficientes para se defenderem na Normandia.

“Nunca se saberá até que ponto cada estratégia contribuiu para o resultado final. Porém, tudo junto fez com que os alemães desviassem até 19 divisões da Normandia naquele dia, o que deixou o local desprotegido o suficiente para os Aliados”, escreve Coya.

Quando a guerra terminou, Elvirase reformou-se com um pagamento único de 197 libras. Ficou um tempo em Londres, depois mudou-se para o sul da França e viveu uma vida tranquila com Carmen, a sua nova companheira.

“Ela continuou a ser uma mulher feliz e divertida, embora sentisse que não tinha sido devidamente reconhecida pelo seu trabalho, pois arriscou a vida para ajudar a mudar o rumo da Segunda Guerra Mundial”, diz Coya.

Através de uma única entrevista concedida a um jornal em 1995, o MI6 soube que Elvira estava em dificuldades financeiras. O serviço enviou-lhe 5000 dólares em agradecimento pelo seu trabalho. Mas ela morreu apenas um mês depois.

ZAP // BBC

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