Após o segundo dia da ofensiva militar turca sobre forças curdas no nordeste da Síria, 228 militantes foram mortos até ao momento, revelou o Ministério da Defesa da Turquia.
O Observatório Sírio de Direitos Humanos, que monitoriza a guerra civil de oito anos, informou que foram mortos pelo menos 23 combatentes das Forças Democráticas Sírias e seis combatentes de um grupo rebelde sírio apoiado por Ancara, noticiou o Expresso esta sexta-feira.
Aquelas forças, lideradas pela milícia curda Unidades de Proteção Popular (YPG), anunciaram que os ataques aéreos e os bombardeamentos turcos também mataram nove civis. Numa aparente ação de retaliação, seis pessoas, incluindo um bebé de nove meses, foram mortas pelo fogo de morteiros e foguetes disparados contra cidades fronteiriças turcas, segundo autoridades do sudeste da Turquia, citadas pela Reuters.
O Comité Internacional de Resgate informou que 64 mil pessoas na Síria fugiram desde o início da campanha, na quarta-feira. As cidades de Ras al-Ain e Darbasiya, a cerca de 60 quilómetros a leste, ficaram desertas. Várias aldeias terão sido feitas reféns.
A “catástrofe” dos ataques às prisões de terroristas
As Forças Democráticas Sírias têm sido os principais aliados dos americanos no terreno na luta contra o Daesh, o autoproclamado Estado Islâmico, desde 2014. Elas mantêm presos milhares de militantes do Daesh e dezenas de milhares dos seus familiares. Segundo o Departamento de Estado norte-americano, aquelas forças ainda detêm o controlo de todas as prisões com detidos do Daesh.
As autoridades curdas no nordeste da Síria disseram que uma prisão com “os criminosos mais perigosos de mais de 60 nacionalidades” fora atingida por bombardeamentos turcos. Os ataques às prisões podem revelar-se “uma catástrofe”, advertiram.
O Presidente da Turquia, Recep Tayyip Erdogan, garantiu que os terroristas islâmicos não teriam oportunidade de reconstruir a sua influência na região. Ameaçou permitir que refugiados sírios na Turquia avancem para a Europa se os países da União Europeia se referirem à intervenção turca como uma ocupação. A Turquia abriga cerca de 3,6 milhões de pessoas que fugiram da guerra civil síria.
A “traição” e as ameaças de Washington
Ancara classifica a milícia YPG como terrorista por causa dos seus alegados laços ao Partido dos Trabalhadores do Curdistão. Na quinta-feira, a polícia turca iniciou investigações criminais de vários deputados curdos e deteve várias pessoas na cidade de Diarbaquir, no sudeste da Turquia, acusando-os de terem criticado a incursão militar na Síria.
Após uma reunião do Conselho de Segurança da ONU, o embaixador norte-americano nas Nações Unidas alertou que Ancara sofreria “consequências” não especificadas se não protegesse populações vulneráveis nem contivesse os militantes do Daesh.
A ofensiva, que começou poucos dias depois de Washington ter anunciado que não se oporia a uma iminente ofensiva turca, tem sido criticada em várias frentes, incluindo na frente doméstica. São diversos os congressistas, nomeadamente republicanos, a denunciar a decisão da Casa Branca de abrir caminho às forças turcas. Os curdos acusam os americanos de “traição” mas prometem lutar “até à última gota de sangue”.
Trump oferece-se para mediar conflito
Desde a retirada das tropas americanas para permitir o avanço da Turquia, o Presidente norte-americano, Donald Trump, tem assumido posições erráticas. Acossado pelas críticas, anunciou Na quinta-feira as “três opções” dos EUA: “enviar milhares de soldados e vencer militarmente, atingir duramente a Turquia com sanções ou mediar um acordo entre a Turquia e os curdos”.
Questionado sobre a opção que preferia, o Presidente norte-americano respondeu: “Espero que possamos mediar”.
Críticas ao avanço turco
Segundo noticiou o Público, o ministro dos Negócios Estrangeiros da República Checa deu a entender que pouco pode ser feito para se anular os riscos de uma nova tragédia humanitária na Síria: “Infelizmente, nesta altura, não temos outra possibilidade para acalmarmos a situação além da pressão diplomática”.
O comentário de Tomas Petricek, citado pela Reuters, junta-se a uma outra declaração proferida na quinta-feira pelo embaixador francês em Washington até junho passado, Gérard Araud, que parece confirmar a ideia de que há pouca margem de manobra na UE para enfrentar a Turquia.
“Os curdos combateram contra o Daesh porque eram o seu inimigo. Trabalhámos em conjunto porque o inimigo do meu inimigo é meu amigo. Fornecemos-lhes armamento e apoio aéreo. Estou convencido de que eles não tinham ilusões sobre um compromisso a longo prazo da nossa parte”, disse Gérard Araud no Twitter.
Na noite de quarta-feira, na Casa Branca, Donald Trump justificou a sua decisão de fazer recuar as tropas norte-americanas da fronteira síria com um argumento semelhante ao do antigo embaixador francês em Washington. Foi essa decisão que abriu as portas ao Presidente turco, Recep Tayyip Erdogan, para ordenar o início da Operação Fonte da Paz.
“Os curdos estão a lutar pelo seu território. Eles não nos ajudaram na II Guerra Mundial, na batalha da Normandia, por exemplo”, disse o Presidente dos EUA. “Para além disso, gastámos muito dinheiro a ajudá-los com munições, armamento, dinheiro e salários. Mas, dito isto, nós gostamos dos curdos”.
Para Ancara, as milícias curdas no Norte da Síria e os curdos do Partido dos Trabalhadores do Curdistão, no Sul da Turquia, são uma e a mesma coisa – findos os combates mais sangrentos contra o Daesh, as milícias curdas da Síria, apoiadas pelos EUA, ficam agora totalmente expostas ao avanço da Turquia.
No terreno, os ataques turcos concentram-se numa faixa de território sírio com cerca de 400 quilómetros de largura e mais de 30 quilómetros de profundidade. É esse o pedaço da Síria que Erdogan quer tirar dos curdos, com dois objetivos: cortar qualquer hipótese de ligação aos curdos na Turquia, e enviar para lá grande parte dos mais de três milhões de refugiados sírios que vivem em campos no território turco.
Conselho Europeu vai debater sanções contra a Turquia
A possibilidade de aplicação de sanções europeias contra a Turquia, após o desencadear da ofensiva contra as forças curdas no noroeste da Síria, vai ser debatida no Conselho Europeu da próxima semana, disse o governo francês, citado pela agência Lusa.
A secretária de Estado francesa para os Assuntos Europeus, Amélie Montchalin, disse esta sexta-feira que a “questão está sobre a mesa”, quando questionada sobre a ofensiva de Acara contra as forças curdas, aliadas do “Ocidente” na luta contra os radicais islâmicos. “O assunto vai ser debatido no Conselho Europeu da próxima semana”, acrescentou.