Se não dormirmos, morremos. Até agora, ninguém sabia porquê

Uma equipa de investigadores parece ter descoberta a razão pela qual dormimos. Ao que tudo indica, o sono parece ser capaz de redefinir o sistema operacional do cérebro de forma a manter um determinado estado de desempenho otimizado. Este estado designa-se por “criticidade”.

Todos nós precisamos de dormir, mas ninguém sabe exatamente porquê. Este mistério tem intrigado os cientistas ao longo das últimas décadas e tem financiado inúmeras investigações na área.

Segundo o mais recente estudo, os seres vivos necessitam de dormir para conseguir manter um estado de consciência otimizado. Este estado é tão crítico que a ausência de sono durante um longo período poderá ter graves consequências para a saúde, incluindo a morte.

“O sono é tão importante que, sem ele, morreríamos” afirma Keith Hengen, professor assistente de Biologia da Universidade de Washington.

Por entre as várias teorias já propostas, o sono seria necessário para repor determinadas substâncias químicas desconhecidas, essenciais para manter o funcionamento adequado do cérebro.

Mas até agora, ninguém conseguiu identificar estas enigmáticas substâncias, deixando, portanto, a teoria incompleta.

Num novo estudo, uma equipa de investigadores, que se focou não só na biologia, mas também na física, afirma ter desvendado o enigma.

Se estiver correta, esta nova teoria poderá alavancar uma série de tratamentos para distúrbios de sono, ao mesmo tempo que responderá a uma das mais duradouras questões da ciência biológica.

Na física, a criticidade descreve um sistema complexo que existe no ponto de inflexão entre a ordem e o caos. Esta propriedade já é conhecida pelos cientistas de computação, mas até então ainda ninguém a tinha relacionado com o sono.

Mas em 2019, o professor Hengen e um dos seus colegas, o professor de física Ralf Wessel, mostraram que o cérebro humano trabalha ativamente para manter a criticidade.

Estes resultados levaram os cientistas a equacionar se as atividades diárias realizadas durante a vigília afastavam o cérebro do seu ponto de criticidade, e se a necessidade de dormir seria apenas uma forma de o corpo restaurar esse estado.

“Percebemos que esta seria uma explicação muito interessante e intuitiva para o propósito central do sono”, explica Hengen, numa nota publicada no site da Universidade de Washington. “O sono é uma solução de nível sistémico para um problema de nível sistémico”, acrescenta o investigador.

Para testar a sua ideia, os cientistas observaram os picos elétricos dos neurónios do cérebro em ratos, à medida que os animais desempenhavam as suas rotinas de sono e vigília. “É possível acompanhar estas cascatas de atividade através de rede neuronal”, explica Hengen.

Os investigadores conseguiram observar a criticidade tal e qual como ela acontece no cérebro dos ratos. O ponto máximo de criticidade acontece logo após um período de sono restaurador e vai diminuindo à medida que o tempo passa e que os ratos se mantêm acordados.

Os efeitos da vigília na criticidade foram tão significativos que os cientistas conseguiram mesmo prever quando é que os ratos iriam dormir.

“Estes resultados sugerem que cada momento de vigília tende a afastar os circuitos cerebrais da criticidade, sendo o sono responsável por reiniciar o cérebro”, explica o autor do estudo publicado no início do mês na Nature Neuroscience.

Uma vez que esta investigação está limitada pelo cérebro de ratos, não se pode descartar a hipótese de o comportamento do cérebro humano ser diferente. Ainda assim, os investigadores envolvidos acreditam que estão num bom caminho.

“O cérebro é como um computador biológico”, explica Hengen. “A memória e a experiência durante a vigília mudam o código pouco a pouco, afastando lentamente o sistema de um estado ideal. O objetivo central do sono é restaurar este estado computacional ideal.”

Mais testes serão necessários para poder comprovar a teoria, especialmente em seres humanos. No entanto, o conjunto de resultados obtidos neste estudo é tentador e parece que, finalmente, decifrámos o mistério por detrás do sono.

Patrícia Carvalho, ZAP //

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