Sabia que pode ser uma quimera humana e ter dois conjuntos de DNA?

ZAP // NightCafe Studio

Equidna, a titan quimera metade mulher metade serpente (conceito artístico)

Uma quimera não é mais do que uma figura mística com uma aparência híbrida entre dois ou mais animais. A titã Equidna, metade mulher metade serpente, é a mais famosa delas.

Mas quem julga que as quimeras fazem parte do mundo da fantasia, está enganado. O quimerismo acontece em seres humanos e é bem mais frequente do que aquilo que julga.

A maioria de nós é o resultado de um código genético único. Quando dois progenitores concebem um novo ser, os seus cromossomas combinam-se de forma a originar uma sequência única de DNA.

No entanto, em determinadas circunstâncias muito específicas, é possível que um ser humano tenha dois genomas distintos.

Esta condição é conhecida por quimerismo. Não é considerada uma doença e, diz a Discover Magazine, não é propriamente grave.

Embora existam poucos casos reportados, a comunidade científica tem provas para acreditar que o quimerismo é muito mais frequente e que a maioria das pessoas que o tem, pode nunca vir a saber.

Em 2017, foi noticiado o caso da modelo e cantora californiana Taylor Muhl, que durante a gestação absorveu o ADN da irmã gémea não nascida, tendo ficado com dois tons de pele.

O estranho caso de Lydia Fairchild

Uma das formas de quimerismo tem origem durante a gravidez de gémeos. Nos casos da síndrome dos genes desaparecidos, existem dois embriões no útero em que um deles morre. Como resultado, o embrião saudável absorve as suas células e integra-as o seu genoma.

Neste caso, o embrião mantém os seus genes originais, mas acaba por misturá-lo com os genes do seu irmão. Isto só é possível em gêmeos falsos, já que os gêmeos verdadeiros compartilham o mesmo código genético.

O primeiro caso reportado da Síndrome de genes desaparecidos aconteceu em 2002 e por pouco não teve um final infeliz. Lydia Fairchild é a mãe que quase perdeu a custódia dos filhos, quando os testes de DNA mostraram que esta não era geneticamente compatível com os seus descendentes.

Um segundo teste de DNA veio esclarecer as dúvidas e permitiu concluir que Fairchild possui uma forma de quimerismo.

Ou seja, uma parte do seu código genético provem da sua irmã gémea, que morreu ainda no útero. As células do embrião de Fairchild absorveram o DNA da irmã e integragram-lo no seu próprio genoma.

Ou seja, de facto, Fairchild não é só mãe dos seus filhos, como é também sua tia, pelo menos em termos genéticos.

Primeiro caso foi reportado em 1953

No entanto, não é obrigatório que exista a morte de um dos embriões para acontecer um quimerismo.

O primeiro caso confirmado, que foi descrito em 1953 na e British Medical Journal,  aconteceu com uma britânica, identificada como Sra. McK — que, depois de doar sangue descobriu que tinha dois tipos sanguíneos diferentes – A e O.

À época,  tal só poderia ser explicado se tivesse recebido diretamente uma transfusão de sangue, mas não foi isso que aconteceu.

Restava apenas uma única explicação – um dos seus grupos sanguíneos era uma herança do seu irmão gémeo, que tinha falecido com apenas 3 meses de idade.

As células sanguíneas do irmão misturaram-se no útero e o organismo da Sra. McK absorveu as células. Depois de tantos anos após o falecimento do irmão, pode dizer-se que este ainda sobrevive no interior da irmã.

Também é possível entre mães e filhos

Porém, os gémeos não são um fator obrigatório no quimerismo. Quando uma mulher está grávida de apenas um filho, um deles (ou mesmo ambos) podem tornar-se quimérico um do outro.

Para tal é necessário que as respetivas células cruzem a barreira da placenta que separa o progenitor do feto. Estas passageiras clandestinas podem entrar na corrente sanguínea e alojar-se ao lado das células nativas. Como resultado, o progenitor pode adquirir DNA do feto, ou vice-versa.

Taylor Muhl / Facebook

A modelo e cantora californiana Taylor Muhl…

Na verdade, este cenário não é assim tão improvável. Em 2012, uma equipa de investigadores de Washington realizou um conjunto de autópsias em cérebros de 59 mulheres. Surpreendentemente, 37 delas, quase dois terços, abrigavam células do cromossoma Y, que são exclusivos do sexo masculino.

Taylor Muhl / Facebook

… é um caso conhecido de quimerismo.

Apenas dois cenários justificam estes resultados – ou as mulheres herdaram estes genes de gémeos que nem sabiam que existiram; ou absorveram genes dos seus próprios descendentes, isto é, de filhos que deram à luz há décadas.

A típica ideia de que uma mãe sabe sempre o que se passa na cabeça de um filho, pode na verdade ser bem mais literal do que aquilo que se julga.

Quimeras pós-operatórias

As quimeras naturais acontecem no decurso do desenvolvimento humano normal. No entanto, podem também existir casos de quimera “artificial” quando esta acontece durante uma intervenção médica.

O caso mais comum acontece durante uma transfusão de sangue. O sangue do doador pode persistir no corpo do recetor durante algum tempo, tornando-o naquilo que se designa como uma quimera temporária.

Outras situações em que isto pode acontecer é quando se recebe um transplante de órgãos. Neste caso, o corpo do recetor retém as células do órgão doado e o seu DNA pode misturar-se com o DNA do organismo.

Nos transplantes de medula óssea o mesmo pode acontecer, já que as novas células sanguíneas têm o DNA do doador. Em alguns casos é até possível que o destinatário altere o seu tipo de sangue.

Bem mais comum do que aquilo que se pensa

Embora inicialmente o quimerismo pareça ter saído de um filme de ficção científica, na verdade esta condição é bem comum.

Geralmente o quimerismo não tem efeitos colaterais adversos e a maioria das pessoas não recebe um diagnóstico e, portanto, nunca chega a saber que tem dois genomas.

O maior problema do quimerismo está em nos testes de DNA errados, como o caso de Farchild. O quimerismo pode dificultar a prova de maternidade e trazer complicações legais e até mesmo médicas.

Kamlesh Madan, geneticista da Universidade de Leiden, na Holanda, reforça este problema, afirmando que “Se as quimeras humanas forem mais comuns do que o que se pensava até agora, poderá haver muitas implicações médicas, sociais, forenses e legais”.

Patrícia Carvalho, ZAP //

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