Na Rússia ortodoxa, as bruxas eram homens

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Ao contrário do que acontece nas crenças católicas e protestantes na Europa, na Rússia ortodoxa do início da era moderna acreditava-se que os feitiços eram realizados por homens, sendo estes os acusados por “compactuar com o diabo”, numa perspetiva diferente da ocidental sobre a origem da magia.

As evidências sobre as crenças russas estão presentes em vários documentos, com datas que vão desde o século XII ao XVIII: sermões, crónicas e contos, histórias sobre a vida dos santos, leis, manuais de cura, livros de feitiçaria e registos judiciais. Estes fornecem dados sobre a vida das pessoas, que de outra forma passariam ao lado.

Num artigo publicado no Big Think, a escritora Valerie Kivelson relatou que, entre esses documentos, encontrou registos que “abalam a compreensão de quem eram as bruxas”. Nestes, os homens eram apontados como os responsáveis por bruxaria, ilação que realça a forma como “o poder e a hierarquia estruturam a vida quotidiana”.

Segundo a análise de Kivelson, três em cada quatro pessoas acusadas de bruxaria na Rússia desse tempo eram homens, que agiam sozinhos ou em pequenos grupos. Enquanto na Europa ocidental os julgamentos envolviam tramas elaboradas, os russos usavam a magia para fins mais imediatos – curar feridas ou fechar negócios.

Como apontou a autora, as pessoas que praticavam magia na Rússia concebiam feitiços e poções simples, recorrendo a ervas e raízes, arrancando o olho de uma galinha viva ou restos de sepulturas. A sua magia, continuou, apelava às forças da natureza e “à beleza da dicção poética”.

Alguns feitiços invocavam seres sobrenaturais, desde Jesus Cristo e Maria aos espíritos da natureza e figuras míticas das lendas russas. Outros, apelavam às forças malignas, invocando, ao mesmo tempo, Satanás e santos.

Embora muitas das acusações fossem falsas, os registos mostram que outras eram verídicas, com os acusados a confessar que tinham praticado determinados rituais, com o intuito de curar doentes, ajudar e proteger entes queridos, assim como localizar pessoas e objetos perdidos e guardar o gado.

Porém, os mesmos documentos deixam claro que alguns praticantes buscavam amaldiçoar, infligir doenças, possuir, causar impotência, acabar com relações amorosas ou, até mesmo, matar.

Na Rússia dessa altura, a cura popular e a oração eram as únicas opções para os doentes, com muitas pessoas a consultar tanto padres como curandeiros. Os feiticeiros eram convidados para as cerimónias de casamento para proteger os noivos. E eram pagos com vodka.

Os mais comuns eram os feitiços de amor. Quando realizados por bruxos, tinham, geralmente, intenções sexuais, referiu o autora. Na maioria dos casos em que as mulheres eram acusadas de feitiçaria, devia-se a feitiços para acalmar a raiva dos maridos, evitar violência doméstica ou para tornar os homens mais amáveis.

Além dos de amor, eram comuns os feitiços de poder. De acordo com Kivelson, estes feitiços, que visavam conquistar o amor dos superiores, era uma das razões pelas quais tantos homens eram acusados de feitiçaria.

“Enquanto as mulheres estavam frequentemente retidas em casa, os homens, mesmo os servos, movimentavam-se. Durante os seus passeios, podiam enfrentar a autoridade arbitrária de um mestre, de um juiz, de um oficial, de um militar, de um nobre ou de um bispo. Em qualquer uma destas situações, estar armado com um feitiço de proteção era um bom plano”, indicou a escritora.

Numa sociedade onde todos, exceto o czar, estava sob autoridade absoluta e arbitrária, acreditar em magia oferecia uma sensação de proteção – uma forma de ter algum poder. E, como a crença na magia era universal, esta ameaçava dar poder aos subalternos e subverter a ordem social.

“Embora as mulheres participassem nestas práticas, eram os homens os mais propensos a esbarrar contra as autoridades, a ficar sob suspeita e a ser descobertos com um “feitiço de poder” enfiado num chapéu ou num sapato”, escreveu Kivelson.

Como autora apontou, embora as ideias sobre bruxaria na Rússia ortodoxa possam ter sido menos sensacionais do que as na Europa católica e protestante, eram “igualmente ameaçadoras para uma ordem social, religiosa e política, construída sobre hierarquias inquestionáveis”.

Taísa Pagno , ZAP //

3 Comments

  1. Lol! Passámos da utilização massiva de “magia” para uma religiosidade tóxica extremista, para sociedades democráticas mais evoluídas onde as regras são criadas pelo senso comum, inteligência humana e progresso científico. Graças a Deus não mais somos “geridos” por seres ligados à religião. Já chega de ceguetas no mundo a causar destruição e miséria humana, com a desculpa de ser “em nome de Deus”. As maiores atrocidades do planeta foram feitas “em nome de Deus”. Nenhuma religião ou dogma se pode gabar de ter patentiado todas as palavras de Deus que existem num pequeno livro a que chamam bíblia. Esses escritos só têm sido usados, em boa verdade, para escravizar, controlar e subjugar a humanindade, limitando o verdadeiro progresso espiritual e descobertas científicas. Querem um exemplo real do que tem acontecido ao longo dos séculos: é só olhar a sociedade escravizada no Afeganistão e no Irão, a perseguição policial, racial, xenófoba, social, comportamental, sexual.. e depois acreditam que vão para o “céu” onde irão ter dezenas de menores virgens para f*der, porque é isso que interessa quando já não temos corpo físico (e portanto já não temos necessidade de acoplar sexualmente). Faz todo o sentido. Regras e palavras escritas por e para “pilas”, é claro que foram ditadas por Deus. Not 😉 Lol.

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