A TV russa deu grande destaque à captura de cidade ucraniana de Bakhmut, incluindo comparações com a conquista de Berlim pelo Exército Vermelho em 1945, felicitações do Presidente Vladimir Putin, e relatos sublinhando a vitória.
“O mito de que Artyomovsk [o nome russo de Bakhmut] é uma fortaleza inexpugnável foi destruído”, disse um jornalista no domingo à noite no Canal Um, a emissora estatal mais popular da Rússia: “São acontecimentos históricos“, descreveu.
Seguiu-se um relato da cidade arrasada por meses de combates no leste da Ucrânia, mostrando combatentes russos gritando “Vitória!” e colocando no topo de um prédio alto parcialmente destruído duas bandeiras – a tricolor russa e a bandeira negra do grupo militar privado Wagner.
As bandeiras foram hasteadas “para que todos pudessem vê-las“, disse um correspondente, embora a cidade de 400 anos deserta e bombardeada pareça um fantasma após a batalha mais longa e sangrenta da guerra na Ucrânia.
Apesar das reivindicações russas, os principais líderes militares ucranianos dizem que a luta não acabou, embora controlem apenas uma pequena parte da cidade.
A vice-ministra da Defesa, Hanna Maliar, disse na segunda-feira que as tropas ucranianas controlam partes dos arredores do sudoeste, enquanto a luta continua pelas colinas estratégicas nos subúrbios do norte e do sul.
Mas Kiev diz que as suas tropas desempenharam um papel fundamental na estratégia de esgotar as forças russas. Dezenas de milhares de combatentes de ambos os lados morreram na dura batalha de nove meses por Bakhmut.
Imagens de satélite mostram infraestruturas, blocos de apartamentos e prédios reduzidos a escombros por ataques implacáveis de artilharia.
Putin precisava desesperadamente de uma vitória em Bakhmut, dizem analistas, especialmente depois de a ofensiva de inverno das suas forças falhar na captura de outras cidades e vilas da linha de frente.
E a Rússia ainda quer dominar toda a região de Donetsk – uma meta que foi apontada vários meses após o fracasso do ataque a Kiev.
No Canal Um, um combatente russo disse ao correspondente que sentiu “provavelmente as mesmas emoções que os avós tiveram em Berlim”, referindo-se à vitória do Exército Vermelho na capital alemã no final da Segunda Guerra Mundial.
Dois tabloides pró-Kremlin publicaram manchetes na segunda-feira celebrando a suposta captura da cidade.
“Bakhmut está tomada. Qual a próxima? A cidade voltou a ser Artyomovsk”, dizia uma manchete vermelha brilhante do Komsomolskaya Pravda. O diário Moskovsky Komsomolets foi ainda mais longe e destacou “o ponto de viragem de Artyomovsk“.
Uma coluna da agência de notícias estatal RIA Novosti abordou o valor estratégico de Bakhmut, dizendo que 224 dias de combate permitiram à Rússia “reduzir as melhores divisões das Forças Armadas ucranianas e destruir os seus equipamentos em escala industrial”.
“Esse era seu valor estratégico para nós“, escreveu a colunista da RIA Novosti Viktoria Nikiforova. “Isso forçou os manipuladores ucranianos a adiar sua ‘contraofensiva’ por meses e deu às nossas forças tempo para se prepararem para repeli-la”, escreveu, contrariando os argumentos ocidentais de que Bakhmut tinha pouca importância estratégica para a Rússia.
O tom comemorativo continuou na segunda-feira, mesmo quando a Rússia relatou uma incursão no seu território na região fronteiriça de Belgorod por sabotadores ucranianos, desencadeando uma “operação de contraterrorismo”.
O porta-voz do Kremlin, Dmitry Peskov, disse que o ataque pretendia “desviar a atenção do eixo Bakhmut, para minimizar o efeito político da derrota do lado ucraniano de Artyomovsk”.
O fumo dos combates impossibilitou a confirmação por imagens aéreas da situação dentro de Bakhmut, com o Presidente ucraniano, Volodymyr Zelensky, a dizer que a cidade não estava totalmente ocupada.
Num vídeo no Telegram, o líder do grupo Wagner, Yevgeny Prigojin, disse que a cidade ficou sob controlo total da Rússia por volta do meio-dia de sábado, proclamando-a “completamente tomada“, após uma longa rivalidade com o ministro da Defesa russo, Sergei Shoigu, sobre o fornecimento adequado de munições para as forças mercenárias.
Cerca de 55 quilómetros ao norte da capital regional de Donetsk, controlada pela Rússia, Bakhmut era um importante centro industrial, cercado por minas de sal e gesso e lar de cerca de 70.000 pessoas antes da guerra, num país de mais de 43 milhões.
A cidade recebeu o nome de Artyomovsk em 1924 em homenagem a um revolucionário bolchevique quando a Ucrânia fazia parte da União Soviética e era conhecida pelo seu vinho espumante produzido em caves subterrâneas. As suas avenidas largas e arborizadas, parques exuberantes e mansões do final do século XIX foram reduzidos a pó.
A Rússia enviou reforços para Bakhmut para reabastecer os flancos norte e sul entretanto perdidos e impedir mais avanços ucranianos, de acordo com autoridades ucranianas e observadores externos.
Os ganhos táticos da Ucrânia na área rural fora de Bakhmut podem ser mais significativos do que parecem, dizem alguns analistas.
“Foi quase como se os ucranianos tivessem aproveitado o facto de, na verdade, as linhas russas serem fracas“, disse Phillips O’Brien, professor de estudos estratégicos da Universidade de Saint Andrews, citado pela AP. “O exército russo sofreu perdas tão altas e está tão desgastado perto de Bakhmut que não pode mais avançar”.
Os flancos norte e sul recuperados pela Ucrânia estão localizados perto de duas estradas que levam a Chasiv Yar, uma cidade a 10 quilómetros de Bakhmut, que são importantes rotas de abastecimento logístico. Uma delas é apelidada de “estrada da vida”.
// Lusa