Relato de uma jovem russa que aterrou em Portugal recentemente. Já percebeu como são os portugueses.
Cruzámo-nos sem estar à espera – literalmente sem estar à espera – com Elena (nome fictício).
Estava a descobrir um espaço musical, a ouvir música, a tentar perceber o que as pessoas estavam a ouvir naquele sítio.
– Aqui as pessoas gostam de ouvir música durante convívios. Não sei como é no teu país… De onde vens?
– Da Rússia.
E a conversa foi parar a outros assuntos, a partir daí. Por motivos lógicos.
“Tomei a decisão de deixar a Rússia logo no dia 24 de Fevereiro (dia do início da invasão russa à Ucrânia). Mas ainda demorei a pensar em como fazer a viagem, procurar casa, garantir que tinha um emprego aqui e tratar de outras burocracias”.
O inglês de Elena não é perfeito – o nosso também não – mas percebemos tudo o que quer contar.
Elena é uma jovem russa. Não disse em que zona da Rússia vivia, mas disse o que deixou lá: “Deixei tudo. Incluindo uma gata que ficou com a minha mãe”.
Rapidamente se falou sobre um inquérito nacional recente que mostrou que, agora, a maioria da população russa não quer que a guerra continue.
“Um milhão de russos já deixou a Rússia. Um milhão…do que sabemos. Não temos noção do resto, do número total real”.
Elena relatou algo peculiar, até estranho, que ocorreu na madrugada de 24 de Fevereiro de 2022. Foi nesse dia que Vladimir Putin anunciou que a invasão estava a começar. Eram 5h50 quando começou a falar.
“Nesse dia eu acordei às 5h30. Olhei para as horas e pensei: porque já acordei? Nunca acordava a essa hora, era sempre mais perto das 8h ou mesmo das 9h… Tenho uma espécie de intuição. Mas depois fui dormir sem saber de nada”.
E agora, Portugal. Porquê?
“Já conhecia. Já tinha estado aqui em férias, em diversos locais”.
A russa deixou logo um elogio aos portugueses: “A solidariedade. Sentem-se bem ao ajudar os outros. Eu sinto isso, eu vejo isso”.
Nesse contexto, passou recentemente por um exemplo, que partilhou connosco.
“Saí de um táxi e fui para uma estação de comboios. Passado um bocado, vi que não tinha o telemóvel. Tinha ficado no táxi. Fiquei desorientada, desesperada. O que iria fazer? As minhas orientações estavam todas no telemóvel. Até que uma mulher portuguesa, perto de mim, apercebeu-se de como eu estava, apoiou-me, falou logo com a filha e a filha – tive sorte, ela era funcionária de uma Câmara Municipal – até encontrou o meu telemóvel!”.
Elena já reparou noutro aspecto que marca os portugueses. Pelo menos, é o que dita a sua experiência por cá: “Não gostam de viajar. Não conhecem, nem querem conhecer, outros locais. Dizem que é muito longe, os do Norte dizem que nunca foram a Lisboa, ao Cabo da Roca…”.
“E já reparei que há uma certa rivalidade Porto-Lisboa. Tal como acontece na Rússia, entre Moscovo e São Petersburgo”.
Ainda está à espera de encontrar um homem português que não seja “louco” por futebol.
Está a tentar estabilizar em Portugal, mas para isso também é preciso encontrar casa própria. Mas lamenta os preços e a corrida no mercado imobiliário: “Estou na net, mostro-me interessada numa casa; actualizo a página logo a seguir e já há mais 10 pessoas na fila para aquela casa”.
Voltemos à música (mais ou menos).
Ao olhar para a capa de um álbum português, antigo, vemos uma mulher idosa, com alguns pelos faciais.
– Sabes que, durante muito tempo, o povo brasileiro pensava que a mulher portuguesa era assim, com bigode e tal…
– A mulher russa é assim, como aquela do álbum. Mas nem todas. Tal como nem todos os russos gostam de vodka.
Tal como nem todos os russos gostam de guerra.