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Guerra Civil na Líbia. Reveladas conversas secretas que quase salvaram Gaddafi

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No 10.º aniversário da campanha da NATO na Líbia, o ex-ministro das Relações Exteriores da Noruega revelou negociações nos bastidores que procuravam acabar com a guerra pacificamente. 

Tinham passado dois meses desde que os líbios tinham saído à rua pela primeira vez para uma onda de protestos populares contra a ditadura de Muammar al-Gaddafi. Centenas de pessoas morreram enquanto as forças do Governo e os rebeldes apoiados pela NATO lutavam num conflito brutal.

No entanto, num quarto de hotel a 3.000 quilómetros de distância, os dois lados em conflito fizeram um acordo secreto para acabar com a guerra, segundo relata o jornal britânico The Independent.

As conversações confidenciais mediadas pela Noruega deram a esperança de um fim pacífico da guerra civil da Líbia em 2011. Os dois lados concordaram com um rascunho, que afirmava que Gaddafi, que governou a Líbia durante 42 anos, renunciaria e deixaria a política, mas manteria as instituições do Estado.

No entanto, as negociações desmoronaram-se e os rebeldes, com o apoio da NATO, acabaram por capturar e matar Gaddafi.

Na sua primeira entrevista aos media internacionais sobre as negociações de 2011, o então chanceler norueguês Jonas Store, que intermediou o acordo, acusou a França e a Grã-Bretanha de se opor a uma solução negociada.

Há muito tempo que o então primeiro-ministro britânico, David Cameron, e o presidente francês Nicolas Sarkozy, são acusados de procurar a mudança de regime a todo custo, alegações que negam.

“Senti que a mentalidade em Londres e Paris não tinha abertura para realmente refletir sobre a opção diplomática”, disse Store, em declarações ao The Independent. “A França e a Grã-Bretanha estavam dispostas a olhar para algo além das soluções militares? Se houvesse na comunidade internacional vontade de seguir esse caminho com alguma autoridade e dedicação, acredito que poderia ter havido uma abertura para alcançar um resultado menos dramático e evitar o colapso do Estado líbio”.

Em fevereiro de 2011, a Líbia seguiu outros países árabes numa revolta, com dezenas de milhares de pessoas a tomar as ruas e a exigir o fim do governo de Gaddafi. As forças de segurança reprimiram brutalmente e Gaddafi prometeu esmagar os “ratos nas ruas”.

Em 17 de março do mesmo ano, as Nações Unidas votaram para intervir para impedir Gaddafi de matar o seu próprio povo, com aeronaves da NATO a voar contra as forças líbias nos sete meses seguintes.

Contudo, os aliados de Gaddafi também procuravam silenciosamente um resultado negociado. Enquanto prometia publicamente esmagar a rebelião, o filho favorito e mais proeminente de Gaddafi, Saif al-Islam, convidou altos funcionários noruegueses para negociar em Trípoli, capital da Libia.

Dois altos funcionários noruegueses estavam no palácio presidencial quando a resolução da ONU foi aprovada em Nova Iorque e tiveram de ser levados à pressa através da fronteira com a Tunísia para a sua própria segurança devido aos iminentes primeiros ataques aéreos da NATO, contou Store.

Diplomacia silenciosa da Noruega

A Noruega tornou-se um membro ativo da campanha de bombardeamento da NATO, lançando quase 600 bombas. Ao mesmo tempo, o primeiro-ministro do país, Jens Stoltenberg, que agora é secretário-geral da NATO, pediu a Store que continuasse as conversas ultrassecretas, hospedando-as na Noruega.

O país tem uma longa história de diplomacia silenciosa no Médio Oriente, incluindo a mediação dos Acordos de Oslo de 1993 que viram o reconhecimento mútuo entre Israel e a Organização para a Libertação da Palestina.

Depois de semanas de conversas, Store organizou o primeiro encontro cara a cara entre o regime e autoridades da oposição num quarto de hotel em Oslo em 27 de abril. Presentes estavam hammed Ismail, braço direito de Saif al-Islam, e Aly Zeidan, uma figura importante no Conselho Nacional de Transição da oposição, que viria a ser primeiro-ministro na Líbia pós-Gaddafi.

Store disse que a atmosfera era “emocionante . Estas eram pessoas que, na nossa frente, puderam partilhar como conheciam as mesmas pessoas e como ambas se preocupavam com o seu país”.

Diplomatas noruegueses iam e vinham, eventualmente elaborando um “plano abrangente” para acabar com a crise. A primeira linha afirmava: “O coronel Gaddafi decidiu deixar o poder, afastar-se e encerrar a primeira fase da revolução.”

O que aconteceria com Gaddafi, contudo, continuou a ser um ponto crítico. O famoso líder recusou-se a deixar a Líbia, levando a negociações sobre se poderia permanecer no país, mas deixar a política.

Store aceita que “não sabemos” se Gaddafi estaria disposto a renunciar ou se grupos rebeldes mais extremistas teriam aceitado um acordo, mas disse que as principais nações ocidentais não estavam interessadas num acordo negociado.

Em agosto de 2011, as imagens captadas no Aeroporto Internacional de Trípoli, na Líbia, tornaram-se prova da queda do regime de Muammar al-Gaddafi, ditador que governou o país durante mais de 40 anos.

Além de capturarem o próprio Gaddafi, que acabaria por ser morto em outubro desse mesmo ano, as forças opositoras assumiram o controlo do aeroporto e ainda conquistaram um “prémio”, um dos maiores símbolos de poder do ditador.

Após a guerra de 2011, a Líbia entrou numa nova guerra civil, que durou grande parte da última década. Mais tarde, Barack Obama descreveu a falta de planeamento pós-conflito como o “pior erro” da sua presidência.

Durante uma década de guerra, centenas de civis morreram. As Nações Unidas só negociaram um acordo para restaurar a paz no ano passado.

Maria Campos, ZAP //

5 Comments

  1. O que os Noruegueses pretendiam era manter um certo controlo sobre o petróleo, apesar da exploração ser da ENI (Itália).

    Contudo o que os franceses e os britânicos queriam era retirar o petróleo da ENI e passarem para as companhias deles (TOTAL & BP).

    Por isso nada de acordos, só a guerra lhes dava o poder de ficarem com o Petróleo. Bem se enganaram.
    O petróleo ficou com os grupos terroristas que esses políticos ajudaram a depor Gaddafi e destruiram por completo um país!

  2. Cameron e Sarkozy foram cretinos neste caso. Mergulharam a Líbia numa guerra civil e num centro de tráfico humano para a Europa.

    • Cretinos? Ao que se sabe, hoje, entre os milhões financiados na campanha eleitoral presidencial de Sarkozy e do dinheiro líbio retido em Londres …foram tudo menos … cretinos ! Diria eu, no mínimo calculistas !

  3. Não sei se que a Líbia atual estará melhor ou pior que antes, sei que acabaram por morrer milhares de pessoas na guerra civil e não consta que a situação por lá esteja calma e pacífica entre todos. Meter o nariz em casa alheia nem sempre resulta bem!

    • Infelizmente pior, sem sombra de dúvida. O Gadaffi, não sendo um santo, mantinha a região controlada. Desde que o “depuseram” (assassinaram) reina o caos, com as mortes a multiplicarem e as minorias étnicas (imigrantes sub-sarianos) a serem completamente exterminadas.

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