O escritor colombiano Gabriel García Márquez escreveu três reportagens sobre a revolução em Portugal em 1975, descrevendo que os portugueses andavam tão contentes com a liberdade que “deixaram de respeitar os semáforos”.
As reportagens foram publicadas em julho de 1975 na revista Alternativa, um semanário fundado por si e por um grupo de intelectuais de esquerda, em Bogotá, e resultaram de uma visita a Lisboa, que começou a 1 de junho.
“Portugal está condenado a sentar-se de sapatos rotos e casaco remendado na mesa dos mais ricos do mundo”, escreveu García Márquez, quando o debate sobre a adesão à então Comunidade Económica Europeia ainda era incipiente no país.
Na capital portuguesa, que descreveu a um amigo como “a maior aldeia do Mundo“, falou com políticos, militares, almoçou e jantou com escritores portugueses – como o então general Otelo Saraiva de Carvalho, Vasco Gonçalves, os escritores José Saramago, então diretor adjunto do DN, José Cardoso Pires ou Maria Velho da Costa.
“Foi uma breve, mas intensa semana em que tive ocasião de conversar com ministros e operários, com escritores incrédulos e comerciantes assustados, com dirigentes inseguros e com militares seguros do seu poder e com nenhum bispo”, escreveu na reportagem intitulada “Portugal, território livre da Europa” o escritor que viria a ser Nobel da Literatura de 1982.
De Vasco Gonçalves, o coronel que era primeiro-ministro, mas não se sabia “de ciência certa” se era comunista, García Márquez guardou a imagem de “um homem muito humano e austero” que, quando falou com ele, já não dormia há 24 horas e queria “conduzir Portugal para um socialismo democrático sem compromissos com os blocos”.
De Melo Antunes, o ideólogo dos moderados e então ministro dos Negócios Estrangeiros, recordou como “um fumador nervoso” que “passa de uma conversa política para uma discussão sobre literatura”.
As ruas de Lisboa depois da Revolução
Das ruas, García Márquez descreve um país a viver “num bulício”, a nível político, social, cultural e também nos costumes.
“Nos restaurantes caros, onde os mariscos são exibidos como joias nas montras, os burgueses em retrocesso desancam verbalmente os comunistas. Nos restaurantes populares, os empregados perguntam se devem receber gorjeta”, afirmou.
O autor de “Cem anos de Solidão” fez a descrição do ambiente de Lisboa, onde “toda a gente fala e ninguém dorme”, onde há ministros que marcam reuniões para a madrugada.
Depois de décadas de uma “ditadura medieval”, Gabo anotou também uma explosão de erotismo na sociedade portuguesa em 1975.
“O erotismo invadiu os cinemas, os quiosques de jornais, fazendo com que milhares de espanhóis atravessem ao fim de semana a fronteira para poderem ver o filme mais proibido em Madrid, “O Último Tango em Paris””, escreveu na revista Alternativa.
Mas o país vivia uma revolução e García Márquez, amigo do líder cubano, Fidel Castro, tinha um olhar otimista sobre a Revolução dos Cravos.
É assim que o escritor termina a terceira e última reportagem sobre Portugal com a convicção de que os militares do Movimento das Forças Armadas (MFA) conseguirão “inventar esse socialismo à portuguesa“.
“O desafio é enorme, mas estou convencido, modestamente, que vão consegui-lo”, concluiu.
/Lusa