A ilha Terceira, nos Açores, está a ser contaminada há 75 anos, desde que acolhe a Base das Lajes e as forças militares norte-americanas.
De acordo com uma reportagem da TVI, divulgada esta sexta-feira, a Base das Lajes contamina a ilha Terceira há 75 anos. Dos 41 locais que estiveram ou ainda estão a ser contaminados com hidrocarbonetos, metais pesados e outras substâncias perigosas, sete já apresentaram riscos de cancro acima do normal.
O canal televisivo recorreu a um estudo científico que está a ser realizado na ilha e que tenta esclarecer se existe, de facto, uma prevalência acima do normal de certos tipos de cancro na zona à volta da base norte-americana.
Em declarações à TVI, Félix Rodrigues, professor de Ciências do Ambiente da Universidade dos Açores, fala numa “enorme infiltração” de petróleo nos solos da ilha.
“Ao longo dos anos houve perda de hidrocarbonetos, ou seja, petróleo, que se foi infiltrando no solo. Isto levou a que haja uma zona de enorme infiltração, em grandes quantidades, de hidrocarbonetos”, explicou.
Além das fugas de combustível, existem outras fontes de poluição. A reportagem avança que as forças norte-americanas colocaram lamas tóxicas, amianto e outros produtos perigosos no solo.
7 locais com risco de cancro “superior ao aceitável”
A TVI teve acesso a um relatório confidencial do Laboratório Nacional de Engenharia Civil (LNEC), feito para o Ministério da Defesa no final de 2016, que mostra a dimensão do problema.
O documento, que sintetiza vários estudos encomendados pelo Exército dos EUA nos últimos 36 anos, identifica os tais 41 locais da ilha em que os solos estão contaminados. Em sete desses locais, os estudos reconhecem que o risco de cancro para militares e civis que ali trabalhassem à data da investigação era superior ao aceitável.
O professor Norberto Messias, da Escola Superior de Saúde da Universidade dos Açores, iniciou um estudo, em colaboração com a Universidade de Boston, sobre a saúde dos trabalhadores portugueses e do resto da população daquela zona.
“Começámos a constatar, dos dados já disponíveis, que havia situações de doença na área envolvente da base, com maior incidência em relação ao resto dos Açores, nomeadamente na área dos cancros e das leucemias e, também, dados não relacionados com cancro, mas com atendimento de situações de urgência cardíaca. Quando vamos à bibliografia vamos encontrar muitas destas situações com a presença de metais pesados”, explica.
Alguns dos locais apontados como tendo um risco oncológico elevado estão agora abandonados, o que não acontece com o parque de tanques de combustível conhecido como South Tank Farm, ou a zona da entrada principal da base, escreve a TVI.
Água da Praia da Vitória pode estar contaminada?
Tendo em conta o problema, a TVI coloca esta questão. “Não estará a água usada no concelho da Praia da Vitória também contaminada?”. As autoridades locais e regionais garantem que não.
Caso disso é o Presidente do Governo Regional dos Açores, Vasco Cordeiro, que assume que “os dados de todos esses estudos indiciam que há locais onde é preciso intervir” mas, ao mesmo tempo, também “demonstram de forma muito clara que não há uma situação em que exista um risco efetivo, ao contrário de algumas notícias recentes”.
Por sua vez, o presidente da Câmara Municipal da Praia da Vitória, Tibério Dinis, também afirma que foram feitas análises extraordinárias, por recomendação do LNEC, e concluiu-se que “até ao momento, a qualidade da água, é segura”.
No entanto, em declarações à TVI, o professor Félix Rodrigues, especialista em ambiente da Universidade dos Açores, alerta que há indícios de que o abastecimento público pode ficar comprometido.
“No caso da praia da Vitória há alguns níveis elevados que não estão contemplados na legislação portuguesa, como tal não se pode garantir que esta água tem condições de proteger a saúde pública”, explica ao canal.
Ao Expresso, o ministro dos Negócios Estrangeiros, Augusto Santos Silva, garante que o Estado português quer que “os EUA se responsabilizem e atuem” perante o problema. “Na última reunião da comissão bilateral Portugal-EUA, a 12 e 13 de dezembro de 2017, o novo embaixador americano e o novo comandante americano da Base das Lajes mostraram disponibilidade para a verificação, intervenção e informação pública desse problema”, acrescenta.
Questionado sobre as várias notícias, o governante pede que haja rigor. “Temos de ser rigorosos, não devemos ser alarmistas, e há jogos de informação em que não nos devemos envolver. Devemos estar atentos e qualquer dado novo tem de ser processado e verificado. Todas as dúvidas em termos de contaminação ambiental e saúde pública devem ser examinadas”, conclui.