“Quero é bens materiais e vida boa”: colegas de Cravinho à pesca de cargos “com potencial”

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António Cotrim / Lusa

Marco Capitão Ferreira, secretário de Estado da Defesa, com o Ministro da Defesa, João Cravinho

“Basicamente, sou uma p…”. Novas escutas revelam as ambições dos arguidos do Ministério da Defesa e um deles confessa: o que está a ser discutido sobre a Tempestade Perfeita “é só uma nota de rodapé”.

Ambições chegam ao Espaço, com um dos arguidos a admitir ficar contente com um cargo na Agência Espacial Europeia (ESA).

Novas escutas — com centenas de páginas transcritas para o Ministério Público e agora consultadas pela TVI — revelam a “insatisfação” do principal suspeito Alberto Coelho e o arguido Paulo Branco, dirigentes do Ministério de João Gomes Cravinho.

“Favores políticos”? Também ganhaste com isso!”

Na época diretor de gestão financeira na direção-geral de recursos da Defesa, um dos “apanhados” é Paulo Branco. Queixa-se do Diretor-Geral de Recursos da Defesa Nacional, Alberto Coelho, diretor de obra do Hospital Militar de Belém, em junho de 2020, por não cumprir as promessas de que lhe daria um novo cargo de chefe de divisão após a demissão.

A 26 de abril de 2022: “Ou me sinto recompensado ou então tudo o que eu fui amealhando e reunindo estes anos todos… vão ver, aquilo que estamos a discutir aqui é só uma nota de rodapé“, confessou à irmã, Ana Marisa Branco, por chamada telefónica, referindo-se às obras em causa no Hospital Militar.

“Ao contrário dele, se forem ver as contas dele e as coisas que ele comprou, é que não está tudo justificado“, diz

“Tudo o que fiz foi a mando dele, percebes? E muitas das coisas para favorecer os seus amiguinhos. Os seus favores políticos“, ao que a irmã responde: “Mas tu também ganhaste com isso!”.

Queria subir na carreira — e não era o único, revela outra conversa que remete a 10 de setembro de 2021 com Francisco Marques, acusado no mês passado de corrupção, branqueamento e falsificação de documento.

“Tou-me a cag…”. “Quero lá saber de estatutos”

O ex-diretor de infraestruturas e património queria voltar a “trabalhar em equipa” com Paulo Branco para afastar um Coelho “a esmorecer” e para não ficarem “reduzidos a técnicos superiores”.

“Muito sinceramente temos de pensar os dois em voltar a trabalhar em equipa, os dois. Esquecendo-o a ele. Acho que está neste momento a começar a esmorecer. Os passes de mágica que ele antes fazia também já eram. Ele de facto vai acabar”, ouve-se.

Conseguimos arranjar ou na DGTF ou noutra coisa qualquer (…) ou então ficamos reduzidos a técnicos superiores.”

A aposta de “futuro” de uma eventual dupla era mesmo, para Marques, o novo diretor-geral de recursos da Defesa, Vasco Manuel Hilário — o substituto de Alberto Coelho.

“Oh Paulo, eu ’tou-me’ a cag…, ’tou-me’ a cag… (…) eu trabalho com qualquer pessoa, percebes? Eu quero aquilo que tu queres percebes? Mais nada”, confessa.

“Temos os dois os mesmos desejos portanto, quem satisfizer esse desejo… ‘pá’, eu sou uma p…”, confessa: “Basicamente, sou uma p… Eu quero é ter bens materiais, sentir a minha vida boa. Quero lá saber de estatutos”. Já Paulo Branco — que acabou por arranjar um “tacho” na Direção-Geral de Finanças e do Tesouro — tinha ambições um pouco mais específicas, mas mostra-se aberto a três opções.

“Um lugar que quero é presidente de uma empresa qualquer, até pode ser da ETI. O segundo é ter um lugar lá fora, estável, na ESA, na NATO, uma mer… qualquer, a ganhar doze mil euros. O terceiro que aceito é diretor-geral de uma mer… qualquer”

Numa outra conversa intercetada, Alberto Coelho admite também  já ter arranjado no passado “uma coisinha boa” — o lugar na Agência Nacional para a Qualificação e Ensino Profissional — pela mão do então coordenador autárquico do CDS, Domingos Doutel.

“Onde há dinheiro é no urbanismo de Lisboa”

A Direção-Geral de Finanças e do Tesouro era mesmo um cargo com “potencial”, uma vez que toca mais “na chicha”.

Mais tarde no mesmo dia, avança o Público, diz Francisco Marques para Branco: “achas que há potencial para situações de feiras e paredes?”

Sim, mas é preciso tempo para convencer o subdiretor-geral, “porque nunca nada foi feito e agora não se pode de repente começar a fazer coisas de cinquenta milhões”, é a resposta de Paulo Branco, que diz ter ensinado Miguel Santos a adjudicar uma obra pública de um milhão sem a submeter ao obrigatório visto prévio do Tribunal de Contas.

“Ele é arquiteto, não percebe de contas. E eu disse-lhe: ‘Abaixo dos 900 mil euros, se nós dissermos que há um conjunto de contratos, ainda que todos associados ao mesmo objeto, significa que (…) podíamos dispensar o visto prévio’. E ele ficou a olhar p’ra mim, do tipo, não percebi nada do que disseste, mas se me estás a dizer acredito em ti.”

Outra opção era a abertura de uma boa vaga no urbanismo lisboeta, com a entrada do diretor de Urbanismo para o Governo, acompanhado de Fernando Medina.

Onde há dinheiro é no urbanismo de Lisboa. E mais vale aqui, onde está a obra (…) do que estar numa parte mais esotérica, que é o que a Direção-Geral do Tesouro faz com as homologações, mas não toca tanto na chicha.”

A defesa dos arguidos ainda não reagiu às escutas divulgadas.

Tempestade Perfeita

O Tribunal de Contas começou a avaliar a auditoria da inspeção-geral da Defesa, um ano depois do levantamento das suspeitas de corrupção relacionadas com as contas das obras no hospital Militar de Belém, que remetem a 2020. O hospital em causa começou a ser alvo de suspeitas: o custo real dos trabalhos estava a transformar-se num total muito maior do que a estimativa inicial.

Foi a junho de 2020, que o então secretário de Estado da Defesa deixou um aviso ao então ministro da Defesa.

Um ofício da Direção-Geral de Recursos da Defesa Nacional mostrava que as contas não batiam certo: os 750 mil euros passaram a ser 2,59 milhões de euros (viriam a ser 3,2 milhões de euros).

Alberto Coelho iria para a presidência Empordef, Tecnologias de Informação, um ano depois — uma empresa ligada ao Ministério da Defesa. Cravinho, hoje ministro dos Negócios Estrangeiros, explica ao Ministério Público que, na altura, não tinha motivos para duvidar de Alberto Coelho. E, assim, colocou-o como presidente de uma empresa do universo do Ministério da Defesa.

Cinco pessoas, suspeitas de vários crimes de corrupção, abuso de poder, peculato e participação económica em negócio, foram detidas no âmbito da Tempestade Perfeita, operação, que envolveu 200 inspetores da PJ.

Alberto Coelho — que era militante do CDS e até presidiu o Conselho de Jurisdição e que foi entretanto suspenso por Nuno Melo — é um dos principais suspeitos no caso devido ao seu envolvimento no ajuste directo que financiou as obras no Centro de Apoio Militar, cujo custo foi quase o triplo do que estava orçamentado.

O esquema destas obras envolveria mais altos quadros do Ministério da Defesa que celebraram os contratos com as empresas TRXMS e Weltbauen, com a vistoria a ficar a cargo da Roma Premium. Todas estas empresas estão ligadas a André Barros, Manuel Sousa e Paulo Machado, outros três detidos no âmbito do processo.

As suspeitas sobre Alberto Coelho e eventuais cúmplices são conhecidas há mais de um ano – e o caso da derrapagem do HMB levou o ministro da Defesa, João Gomes Cravinho, a afastá-lo da Direção-geral de Recursos da Defesa Nacional em junho de 2021. Mas deu-lhe, ao mesmo tempo, posse como presidente da Empordef, empresa pública de tecnologias de informação.

Alberto Coelho é investigado pela PJ desde 2018, com base em denúncias anónimas que partiram do setor da Defesa. Há suspeitas de que tenha participado noutros ajustes diretos, em casos de limpeza de terrenos militares, de serviços de transportese na aquisição de armamento para as Forças Armadas, visto que também exerceu funções na Defesa de Diretor Nacional de Armamento.

As buscas decorreram em Lisboa, Porto, Alter do Chão, Almada e Comporta e resultaram ainda na constituição de 19 arguidos.

Tomás Guimarães, ZAP //

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