Investigador português da Universidade de Liverpool considera que deve existir uma separação entre os genes que podem ser de forma circunstancial relacionados com a doença cancerígena e os que estão efetivamente ligados ao seu aparecimento.
Uma análise detalhada à investigação científica revelou que quase nove em dez genes humanos foram mencionados em pelo menos um estudo relacionado com cancro num passado recente — sendo provável que aqueles que ainda não foram mencionados venham ainda a ser. Isto torna a procura por tratamentos muito difícil, já que faz com que seja difícil encontrar um gene que seja a verdadeira causa genética da doença — tal como outras causas para outros problemas de saúde.
Esta conclusão foi possível através de uma pesquisa que compilou os resultados do PubMed, um motor de busca que consegue catalogar dezenas de milhões de artigos académicos sobre as ciências da vida e biomédica, às vezes com mais de 50 anos.
“O cancro é o tópico mais estudado nas ciências biomédicas e biológicas”, explica o especialista em microbiologista João Pedro Martins, um português que atualmente desenvolve investigação na Universidade de Liverpool. “No entanto, a grande quantidade de dados reunidos mostram que há muita mais informação sobre os genes associados ao cancro do que os genes associados a outra qualquer doença ou processo.”
Atualmente, cerca de quatro milhões das mais de 30 milhões de publicações mencionam a palavra “cancro”. Se compararmos com os números atribuídos à palavra “enfarte“, com cerca de 350 mil artigos associados, é possível ter noção da dimensão do fenómeno e da preponderância que a doença tem na investigação científica .
Um número tão elevado de publicações científicas sobre uma doença é naturalmente positivo para os avanços na área e na procura por uma solução para a doença, no entanto, também representa uma dificuldade acrescida no que respeita às suas ligações genéticas. Por outras palavras, um retrato tão real e autêntico dos genes que estão efetivamente ligados ao aparecimento de cancro pode facilmente diluir-se no sem número de genes com os quais pode ser estabelecida uma relação circunstancial ou por outros motivos.
Muitas das investigações não apontam, por exemplo, uma associação causal entre um género em particular e o cancro, mas sugerem que os genes foram estudados num contexto de investigação da doença cancerígena. De acordo com o Science Alert, isto pode originar dilemas (e até erros) entre os cientistas sobre o que devem estudar de seguida.
“O estudo de quase todos os genes humanos pode ser justificado pela literatura existente que explica a sua potencial relevância para o cancro”, explica João Pedro de Magalhães. “Perceber o porquê de estas incorreções acontecerem e corrigi-las é uma tarefa de extrema importância para aumentar o valor do conhecimento que resulta da investigação e, simultaneamente, as previsões que são feitas.”
Neste momento, é um dado quase adquirido e consumado entre os cientistas que uma em cada duas pessoas serão diagnosticadas com cancro ao longo da sua vida, contudo, não há sinais que todos os esforços académicos direcionados para esta área esteja a ter algum sucesso — mesmo que, no âmbito da saúde, seja a que mais recursos e atenção mereça. Há mesmo quem aponte que o cancro é a área da biomédica em que mais fácil é desenvolver investigação, dado o número de informação e recursos laboratoriais disponíveis. No que respeita às verbas, estas também ultrapassam também as destinadas às outras áreas de pesquisa, apesar de serem aplicadas de forma heterogénea entre os diferentes tipos de cancro.
De acordo com o investigador português, se neste momento existe um gene humano que ainda não foi relacionado com o cancro é porque esse gene ainda não foi estudado o suficiente — sendo apenas uma questão de tempo até a ciência lá chegar.
Apesar de, como referido anteriormente, a investigação científica ser primordial na descoberta de novos tratamentos e até da possível cura para o cancro, os investigadores devem ter noção que um número tão elevado de artigos académicos a relacionar a doença com a genética pode enviesar o seu trabalho erradamente. “Num mundo científico em que tudo e todos os genes podem ser associados com o cancro, o desafio é determinar quais são os determinantes no aparecimento do cancro e quais são os mais promissores a configurarem alvos terapêuticos“, explicou João Pedro de Magalhães.