Como Putin destruiu o modelo de negócios da Rússia

Robert Ghement / EPA

Vladimir Putin em forma de crânio, arte urbana de protesto de artistas da Ucrânia e Roménia, em Bucareste, na Roménia.

Por causa da guerra na Ucrânia, a economia russa perdeu a Europa — o maior destino das suas principais exportações e o seu investidor estrangeiro mais importante.

Comecemos com uma retrospetiva: o início de 2022 parecia muito promissor para as estatais russas Gazprom e Rosneft, as maiores contribuintes do orçamento da Rússia. Sobretudo na Alemanha, o maior mercado da Europa: tendo em vista a decisão de eliminar gradualmente a energia nuclear e a eliminação antecipada do carvão, o novo Governo federal tinha anunciado a construção de inúmeras novas centrais a gás para ajudar a atender às necessidades de eletricidade do país.

O grupo Gazprom via-se assim diante de uma enorme expansão das suas exportações para a Alemanha, que já era o seu maior mercado de vendas a nível mundial e que ano após ano absorveu um quarto das exportações russas de gás.

Além disso, o gasoduto Nord Stream 2, no Mar Báltico, que acabara de ser concluído, ainda tinha hipóteses de ser ratificado na Alemanha. Afinal, o novo chanceler federal, Olaf Scholz, tinha chamado o gasoduto, altamente controverso na UE, de “um projeto do setor privado”.

A Rosneft, por sua vez, estava prestes a aumentar a sua participação na refinaria PCK em Schwedt de 54% para quase 92%. Durante décadas, a empresa tem processado exclusivamente petróleo bruto russo proveniente do gasoduto Druzhba.

A refinaria abastece com produtos petrolíferos a capital Berlim, grandes partes do leste da Alemanha e também o novo aeroporto da capital, BER, que segue em rápida expansão. Faltava apenas a aprovação final do Governo federal, mas não havia nenhum indício de objeção.

Gazprom e Rosneft em ruínas na Alemanha

Agora, o ano de 2022 chega ao fim com a interrupção completa das entregas da Gazprom para a Alemanha, a estatização da sua subsidiária alemã Gazprom Germania pelo Governo federal e o projeto Nord Stream 2 finalmente enterrado.

Dois terminais alemães de gás liquefeito já começaram a operar, e no próximo inverno serão pelo menos seis, para que a Alemanha não dependa nunca mais dos gasodutos russos. O chanceler federal Olaf Scholz enfatizou repetidas vezes que a Rússia já não é um fornecedor confiável de energia.

O grupo Rosneft, por sua vez, perdeu o controlo da refinaria em Schwedt, que foi colocada sob tutela do Estado, e o próximo passo será provavelmente a expropriação. Além disso, a PCK deseja encerrar o processamento do petróleo russo no dia 31 de dezembro de 2022, como parte do embargo de petróleo da UE, e contar com outros fornecedores no futuro. As fichas agora estão depositadas no Cazaquistão.

Com isso, apenas um ano depois, Gazprom e Rosneft estão em frangalhos na Alemanha. Ou, para sermos mais exatos, depois de apenas dez meses. Essa perda do lucrativo mercado alemão, que afetou duas importantes empresas russas ao mesmo tempo, ilustra muito vividamente o enorme dano que Vladimir Putin infligiu à economia russa com o seu ataque à Ucrânia no dia 24 de fevereiro de 2022.

Não se trata apenas do fracasso de projetos individuais. Esta guerra destruiu todo o modelo de negócios da Rússia de hoje.

Um modelo de negócios voltado para a UE

Esse modelo de negócios consistia no facto de que os produtos de exportação russos mais importantes — petróleo bruto, derivados de petróleo, gás natural, carvão, metais — eram vendidos principalmente para a Europa, especificamente para a União Europeia.

Com as divisas auferidas, máquinas e equipamentos para a modernização da economia russa e bens de consumo para a população russa eram adquiridos na Europa.

O foco na UE como o maior mercado de exportação e o mais importante fornecedor de produtos importados de alta qualidade não se baseava apenas na proximidade geográfica.

Além da conveniência logística, os laços históricos e culturais também tinham um papel crucial: pelo menos desde o início do século XVIII, com o czar Pedro I, a Rússia via-se como parte integrante da Europa e tinha os países europeus como seus parceiros comerciais preferidos.

Na Rússia moderna, quase todos os gasodutos russos dedicados à exportação, os principais oleodutos, as linhas ferroviárias, as rodovias e muitas das conexões aéreas ocidentais eram voltadas para a Europa.

O comércio com a Europa foi o foco principal da modernização dos terminais de petróleo, carvão e contentores nos portos do Mar Báltico, do Mar Negro e de Murmansk.

Além disso, uma parte essencial deste modelo de negócios era que os países da Europa se tornaram os maiores investidores estrangeiros na economia russa.

Eles trouxeram capital, tecnologia e know-how para a indústria de petróleo e gás, para a geração de energia, para a fabricação de automóveis, para a indústria de alimentos, só para citar algumas indústrias. Muitos investimentos também vieram de empresas americanas, ainda que os EUA não fossem um mercado tão importante para a Rússia quanto a Europa.

Perda em larga escala do mercado europeu

Tudo isso agora é passado. Ao lançar uma guerra no meio da Europa, Putin pôs um fim abrupto a esse modelo de negócios que tão bem funcionava e que ele pessoalmente ajudou a construir. Diversas empresas europeias abandonaram a Rússia, enquanto outras decidiram ao menos interromper os seus investimentos.

Elas fizeram isso por causa das sanções da UE e dos EUA, para preservarem a sua imagem, porque as condições de negócios pioraram consideravelmente na Rússia — ou simplesmente porque repudiam a guerra.

Mas o pior prejuízo para a economia russa em 2022 é ter perdido o maior mercado para as suas principais exportações. O golpe mais doloroso foi desferido pelo embargo da UE ao petróleo russo entregue via marítima.

Mas a medida ainda não produziu todos os seus efeitos, pois só entrou em vigor a 5 de dezembro — as empresas europeias necessitavam de tempo para mudar para outros fornecedores e vias de transporte.

O rublo, no entanto, sentiu um efeito mais rápido, pois o medo de uma queda acentuada na entrada de divisas logo espalhou-se em Moscovo. No dia 5 de fevereiro de 2023, será acrescentado o embargo aos produtos petrolíferos russos — um golpe não menos severo.

Além disso, desde 10 de agosto, a UE cortou a indústria de carvão russa do mercado europeu, que recentemente tinha comprado cerca de metade das suas exportações.

As maiores perdas da estatal Gazprom no mercado de gás europeu, porém, não se devem às sanções da UE, e sim ao Kremlin. Tudo começou lá em março, quando Putin mandou desligar o fornecimento de gás aos países e empresas que se recusassem a ceder à repentina exigência da Rússia por “pagamento em rublos”.

Alguns meses depois, entregas através do gasoduto Nord Stream 1 para a Alemanha e seus países vizinhos foram severamente reduzidas, alegando supostos problemas com as turbinas da Siemens.

No final de agosto, Moscovo interrompeu totalmente o fluxo de gás, na esperança de pressionar a Alemanha e a UE com temores de um inverno frio, sem energia suficiente e preços assustadores, e assim dissuadi-los de apoiar à Ucrânia.

Duas empresas alemãs já planeiam processar a Gazprom por mil milhões em danos por quebra de contrato pelas grandes quantidades de gás não entregues desde então e, enquanto a Rússia não pagar, este será outro obstáculo (além da questão política) para o retorno do gasoduto russo para a Alemanha, mesmo que em pequenas quantidades.

Pelo menos no caso da misteriosa destruição do Nord Stream (e parcialmente do Nord Stream 2), a Gazprom tem um álibi: as explosões ocorreram no dia 26 de setembro, quase quatro semanas após a interrupção total do abastecimento e meses após o início dos seus cortes arbitrários.

Falta de tempo, dinheiro e trabalhadores qualificados

O desaparecimento quase completo dos mercados alemão e europeu mergulhará a indústria de gás russa, até então acostumada à prosperidade, numa crise particularmente profunda.

Afinal, a Rússia até pode desviar a exportação de petróleo e carvão para a Ásia em certas quantidades, embora seja muito mais económico, por exemplo, continuar a enviar os petroleiros dos portos russos do Mar Báltico para Roterdão e não para a distante Índia.

Mas os gasodutos, que ao longo de 50 anos foram construídos exclusivamente para o oeste a partir da Sibéria ocidental, não podem simplesmente ser redirecionados para o leste.

Embora o Kremlin anuncie que pretende construir novos gasodutos a leste, a Rússia precisa muito daquilo que atualmente não tem e provavelmente não terá em quantidade suficiente: tempo, dinheiro e trabalhadores qualificados.

Com a perda do mercado europeu cada vez mais percetível mês a mês, as próprias reservas financeiras russas vão esvair-se na guerra, o país permanecerá isolado do mercado internacional de capitais, sem contar com as centenas de milhares de pessoas que morreram, foram mutiladas ou fugiram para o estrangeiro.

O Kremlin, portanto, não conseguirá erguer tão rápido uma alternativa relativamente eficaz ao seu antigo modelo de negócios, agora destruído. E em 2023, isso será sentido por cada vez mais russos e com cada vez mais frequência.

// DW

Siga o ZAP no Whatsapp

Deixe o seu comentário

Your email address will not be published.