Processos fiscais de mais de um milhão de euros têm prioridade em tribunal (e há dúvidas legais)

Desde o tempo da troika que os tribunais priorizam a resolução de disputas fiscais acima de um milhão de euros, mas há especialistas que questionam a legalidade da medida.

Desde a crise financeira de 2008, a administração fiscal portuguesa tem adotado medidas excepcionais para acelerar o processamento de disputas tributárias acima de um milhão de euros. Esta prática tem sido mantida até hoje, suscitando debates sobre a sua justiça e legalidade.

A medida avançou inicialmente em 2011, no início da chegada da troika, com o Conselho Superior dos Tribunais Administrativos e Fiscais (CSTAF) a implementar uma ordem para priorizar processos fiscais acima de um milhão de euros. Esta medida visava uma resolução mais célere de casos que poderiam impactar significativamente as finanças públicas e privadas, recorda o Público.

O artigo 74 do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais, combinado com o artigo 291º do Código de Procedimento e Processo Tributário, deu base legal para essa priorização, permitindo que o presidente do tribunal acelerasse processos específicos por “justo motivo”.

Posteriormente, em novembro de 2011, a lei foi modificada para criar equipas extraordinárias de juízes dedicadas exclusivamente a esses processos de elevado valor, com uma vigência inicial prevista de apenas um ano. Contudo, essas equipas foram prorrogadas até o final de 2015.

Em janeiro de 2016, mesmo após a dissolução das equipas especiais, o CSTAF decidiu manter a priorização dos processos fiscais de valor superior a um milhão de euros. Esta decisão nunca foi formalmente contestada e continua em vigor, apesar de algumas dúvidas quanto à sua adequação legal atual, dado que o artigo que permitia a priorização foi revogado em 2019.

Dados recentes indicam que, no final de 2022, existiam 1393 ações de valor superior a um milhão de euros pendentes nos tribunais administrativos e fiscais, totalizando quase 8,7 mil milhões de euros.

Bernardo Azevedo, advogado especializado na área administrativa e fiscal, reconhece a lógica inicial da medida em um contexto de emergência financeira, mas considera o critério atual “altamente excessivo“. “Não podemos esquecer que estamos num contexto de excedente orçamental e que os contribuintes pequenos ou médios vão ficar à espera da resolução dos processos de maior valor”, aponta, receando que a medida crie uma perceção de que existe uma justiça para ricos e outra para pobres.

A sustentabilidade legal desta prática continuará a ser um tópico de discussão entre especialistas e autoridades, em busca de um equilíbrio que respeite os princípios de igualdade e eficiência judicial.

ZAP //

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