O Presidente do Peru, Pedro Castillo, foi detido na quarta-feira, após ser destituído do cargo pelo Congresso e de ter tentado dissolver o próprio Parlamento e estabelecer de um “governo de exceção”.
Castillo está detido na câmara municipal da capital do país, Lima, segundo informou a agência EFE.
“Em conformidade com nossos poderes e deveres descritos no artigo 5 do D.L. (decreto legislativo) n.° 1267, oficiais da Polícia Nacional do Peru (PNP) intercetaram o ex-Presidente Pedro Castillo”, disse a corporação na sua conta no Twitter.
O paradeiro de Castillo, que no início da manhã ordenou a dissolução do Congresso e a nomeação de um governo de emergência, uma medida classificada pela oposição e vários membros de seu governo como um golpe de Estado, ficou desconhecido por cerca de meia hora desde a sua destituição.
“Rejeitamos a rutura da ordem constitucional e exortamos a população a respeitar a Constituição e a permanecer calma. Da mesma forma, para confiar nas instituições do Estado”, escreveu a polícia na rede social antes de confirmar a detenção de Castillo.
Após a destituição e detenção, a vice-Presidente Dina Boluarte assumiu a presidência perante os parlamentares.
Esta foi a terceira vez que o Congresso votou a destituição de Castillo, mas desta a votação superou os 87 votos necessários, noticiou a BBC News Brasil.
O analista Alfredo Torres, do instituto Ipsos Peru, afirmou que “fracassou a tentativa de golpe de Estado por parte de Castillo e ganhou a democracia. Todas as instituições rejeitaram o golpe, incluindo a Justiça, o Ministério Público, o Tribunal Constitucional, as Forças Armadas e a Polícia Nacional”.
“O golpe de Castillo foi uma manobra desesperada para tentar conservar o poder porque existem várias denúncias, com depoimentos, de corrupção contra ele”, disse ainda o especialista.
Algumas horas antes, de fato e gravata, com a faixa presidencial e sem o chapéu que o caracterizou durante a sua campanha presidencial, Castillo assegurou, em mensagem à nação, que a sua decisão de dissolver o Congresso foi uma resposta ao “obstáculo” imposto pelo Poder Legislativo ao seu governo.
“Em resposta à reivindicação cidadã em todo o país, tomamos a decisão de estabelecer um governo de emergência visando a instauração do Estado de direito e da democracia”, afirmou, antes de anunciar as medidas que a sua decisão implicava.
“O modelo económico baseado numa economia social de mercado será escrupulosamente respeitado”, afirmou o Presidente, declarando que “a propriedade privada será respeitada e garantida.”
Os portais peruanos de notícias também qualificaram o gesto de Castillo como um golpe de Estado. “Golpe de Estado: Pedro Castillo anuncia encerramento do Congresso”, publicou o El Comercio, de Lima, crítico da gestão presidencial. Na mesma linha, o La República publicou: “Pedro Castillo dá golpe de Estado”.
Castillo assumiu a Presidência em julho de 2021. Desde então, enfrentou diversas acusações de corrupção e foi obrigado a substituir os seus ministros em diversas ocasiões.
Após o anúncio do Presidente, anunciaram renúncia os ministros da Economia, Justiça, Trabalho e Negócios Estrangeiros, bem como o embaixador do Peru na Organização das Nações Unidas (ONU). O advogado de Castillo também anunciou que estava a renunciar ao cargo de representante do seu cliente.
Pouco depois, as Forças Armadas e a Polícia Nacional emitiram um comunicado conjunto no qual anunciaram: “qualquer ato contrário à ordem constitucional estabelecida constitui uma violação da Constituição e gera descumprimento por parte das Forças Armadas e da Polícia Nacional do Peru”.
Após o anúncio, os Estados Unidos (EUA) também enviaram uma mensagem instando a reversão da medida de encerramento do Congresso.
A embaixadora norte-americana no Peru, Lisa Kenna, escreveu no Twitter que os “EUA rejeitam categoricamente qualquer ato extraconstitucional do Presidente (Pedro) Castillo para impedir o Congresso de cumprir o seu mandato”.
Kenna escreveu ainda que os “EUA instam veementemente o Presidente Castillo a reverter a sua tentativa de fechar o Congresso e permitir que as instituições democráticas do Peru funcionem de acordo com a Constituição. Encorajamos a população peruana a manter a calma durante este período de incerteza”.
O governo argentino também reagiu. O Ministério dos Negócios Estrangeiros da Argentina divulgou nas suas redes sociais que “lamenta e expressa profunda preocupação com a crise política que enfrenta a irmã República do Peru e pede a todos os atores políticos e sociais que resguardem as instituições democráticas, o Estado de Direito e a ordem constitucional”.
Professor primário rural, de 51 anos, Castillo foi eleito em 2021 após uma eleição contra a candidata de direita e herdeira do ex-Presidente Alberto Fujimori, Keiko Fujimori. Demorou mais de um mês para que Castillo fosse proclamado vencedor – Fujimori acusou a eleição de fraudulenta e abriu uma batalha judicial.
Nascido em Cajamarca, região serrana do norte do Peru, ganhou notoriedade em 2017 ao liderar uma greve de professores em várias regiões do país, que durou 75 dias. Os manifestantes exigiram, entre outras coisas, um aumento salarial.
Três anos depois, em 2020, anunciou a sua candidatura à presidência representando o Peru Libre, que se define como um partido da esquerda marxista, depois que o líder, Vladimir Cerrón, foi condenado a três anos e nove meses de prisão.
Durante a campanha, propôs uma série de reformas estruturais que implicam, entre outras coisas, uma mudança total do modelo económico peruano. Para isso, promoveu a ideia de criar uma nova Constituição através de uma assembleia constituinte que atribuiria ao Estado um papel ativo como regulador do mercado.
Castillo costumava viajar a cavalo e tinha a sua base de apoio no meio rural peruano, que conquistou apelando à sua origem humilde e às grandes desigualdades que existem no Peru. Conseguiu captar o descontentamento das classes mais pobres, especialmente as do interior, historicamente esquecidas pelo centralismo da capital.
Mas, apesar das suas tendências mais à esquerda, era contra o aborto e o casamento entre pessoas do mesmo sexo e favorável a uma “linha dura” na segurança.