Presidente do Conselho Europeu de Investigação demite-se e arrasa a resposta da UE à pandemia

Álvaro Millán / Flickr

O cientista Mauro Ferrari demitiu-se da presidência do Conselho Europeu de Investigação, criticando duramente a forma como a União Europeia (UE) está a responder à pandemia de Covid-19, manifestando-se “extremamente desiludido” e lamentando as burocracias e jogos de interesses políticos nos bastidores.

Mauro Ferrari ocupava o cargo desde o início do ano, depois de ter sido nomeado em Maio de 2019 para a liderança do Conselho Europeu de Investigação (ERC). Sai três meses depois de assumir a função, manifestando-se “extremamente desiludido com a resposta europeia à Covid-19″, conforme expressa num comunicado enviado ao jornal britânico Financial Times que é divulgado pelo site Politico.

“Cheguei ao ERC enquanto fervoroso apoiante da União Europeia, mas a crise de Covid-19 alterou completamente a minha visão, embora continue a apoiar com entusiasmo os ideais de uma colaboração internacional”, aponta o cientista italiano.

Ferrari nota que em Março, “se tornou evidente que a pandemia seria uma tragédia de proporções, possivelmente, sem precedentes”. Mas lamenta que a sua proposta de estabelecer “um programa especial dedicado a combater a Covid-19” foi “rejeitada unanimemente pelo corpo governante da ERC, sem se considerar sequer que forma ou conteúdo iria ter”.

“Pensei que, numa altura como esta, os melhores cientistas do mundo teriam acesso aos melhores recursos e oportunidades para combater a pandemia, com novos medicamentos, vacinas, ferramentas de diagnóstico e abordagens comportamentais baseadas na ciência, ao invés das muitas vezes improvisadas intuições dos líderes políticos“, lamenta, considerando que as suas propostas estagnaram na burocracia do ERC e nas jogadas políticas que imperam no seio da UE.

Ferrari refere que o facto de ter “trabalhado directamente” com Ursula von der Leyen, a convite da própria presidente da Comissão Europeia, para lhe apresentar as suas ideias, gerou uma “tempestado política interna”. “Em tempos de emergência, as pessoas e instituições revertem-se à sua natureza mais profunda e revelam o seu verdadeiro carácter”, critica.

O cientista confessa que perdeu “a fé no sistema” e critica a UE por falhar em “financiar cientistas” para combater a crise, apontando duras críticas à forma como a Comissão Europeia funciona. Ferrari fala numa “completa ausência de coordenação de políticas de saúde entre os estados-membro” e refere “a recorrente oposição a iniciativas coesas de apoio financeiro, os fechos unilaterais de fronteiras e a escala marginal das iniciativas de sinergia científica”.

“Tenho receio de já ter visto o suficiente do corpo de governação da ciência e das operações políticas da UE”, lamenta ainda, sublinhando que “salvar milhões de vidas” devia ter primazia sobre “carreiras, políticas e até a beleza de uma certa ciência”.

“Nas minhas fantasias idealistas, pensei que, em alturas como estas, os melhores deviam pegar nas suas melhores armas e ir para a linha de fronteira, para as linhas da frente, para derrotar este inimigo formidável”, escreve também.

As críticas de Ferrari já foram rebatidas pelo eurodeputado alemão Christian Ehler, o coordenador do Partido Popular Europeu, que definiu a sua proposta como “uma decoração de fachada” e “uma contradição” relativamente às “bases legais do ERC”, como cita o Politico.

Ehler acusa ainda Ferrari de ter passado grande parte do tempo no cargo nos EUA, frisando que é “uma contradição com a descrição” da função, e de “nunca ter estado realmente familiarizado com a natureza independente do ERC”.

O ERC teve, em 2019, um orçamento anual da ordem dos dois mil milhões de euros para distribuir por projectos científicos no seio da UE.

A Comissão Europeia destinou um fundo de emergência de 10 milhões de euros para investigação em resposta à pandemia e 45 milhões para o desenvolvimento de tratamentos e diagnósticos.

ZAP //

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