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PREC: o título desta peça não cabe no título deste artigo (e é propositado)

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Cortesia / TNSJ

“Eram dias que pareciam não ter horas suficientes para o que andavam a fazer”. Fomos conhecer as PRECformances do TEP e da ASSéDIO.

As grandes comemorações quase oficiais do período histórico habitualmente conhecido como PREC (Processo Revolucionário em Curso), organizadas pela Comissão de Festas Populares do Teatro Experimental do Porto e da Assédio – Companhia de Teatro.

Este primeiro parágrafo podia ser já o início da descrição de uma peça de teatro – mas é mesmo o título.

O espectáculo do Teatro Experimental do Porto (TEP) e da ASSéDIO estreia-se hoje, quinta-feira, e assinala – comemora mesmo – os 50 anos do PREC. Com encenação de Gonçalo Amorim e coordenação dramatúrgica de Rui Pina Coelho, estará em cena no Teatro Carlos Alberto, no Porto.

O título longo é propositado, para descrever e até homenagear o “esforço colectivo, eloquente” dos portugueses naquela altura, explica Rui Pina Coelho. “É um título excessivamente longo, também uma provocação e uma graça”.

Na mesma conversa com o ZAP, Gonçalo Amorim fala numa “brecha utópica” e num “momento em que as pessoas se sentiam o sujeito foi interrompido, foi derrotado”, mas durante o qual houve uma “organização colectiva e popular, para arranjar a rua, arranjar habitação que faltava, abrir a creche que era necessária, reforma agrária, teatro e música espalhados pelo país…”.

Eram dias que pareciam não ter horas suficientes para o que andavam a fazer”, recorda o encenador, numa altura em que se queria “construir um país novo. A revolução era para levar a sério, foi tomada com as próprias mãos” do povo.

Ainda hoje, numa visão à distância, pensa-se no PREC como um período de “homens, muitos a traírem-se uns aos outros, num movimento confuso, excessivo” – mas “omite-se esta parte da organização popular, do dinamismo, utopia”.

Em palco vemos diversas “PRECformances” de um espectáculo “intimamente parcial. Dialético. Materialista. De esquerda. Antirreacionário e antifascista. E, por isso mesmo, é celebratório, festivo e popular”, avisa a Comissão de Festas.

Voltamos a alguns dos principais momentos, protagonistas e discussões do período pós-25 de Abril, ainda hoje classificado como um período de caos e de excessos ideológicos.

É para contrariar a ideia de libertinagem? O coordenador dramatúrgico Rui Pina Coelho começa por responder: “É. Para contrariar essa narrativa, que é uma construção…” – mas é interrompido pelo encenador Gonçalo Amorim: “E também foi um período de libertinagem! Mas caramba, era uma revolução! Era para levar a sério essa palavra. Como não ser excessivo por vezes? Foi uma transformação muito grande”.

Gonçalo dá o exemplo do pedido do MFA – Movimento das Forças Armadas, que pediu às pessoas para ficarem em casa. “Mas as pessoas saíram e assumiram a revolução a partir da primeira hora“.

O encenador assume que se tentou criar um “país popular”, mas esse projecto “foi derrotado”.

As duas companhias portuenses – TEP e ASSéDIO – criaram uma Comissão de Festas Populares, constituída por artistas e académicos, encarregada de conceber a estrutura PRECformativa e de discutir as linhas orientadoras da celebração.

A inspiração para o modelo destas grandes comemorações encontraram-na nas Feiras de Opinião de Augusto Boal, criações coletivas caracterizadas pela alegre convivialidade entre artes e dominadas por uma ideia de entremês, de farsa e de absurdo.

O texto do espetáculo é composto por oito breves peças, todas criadas recentemente. Mas, numa delas, evoca-se uma peça chamada Manifesto, escrita por João Bilou, em 1974. É logo a primeira “PRECformance”: Manifesto, de João Bilou, escrito para o Grupo de Intervenção Cultural – A Plebe, em 1974, lembrado ao Povo por Rui Pina Coelho, em 2024.

No palco, entre as diversas “PRECformances”, vemos cartazes a salientar a “maioria silenciosa”, ou o “não aos extremismos”, numa peça com vários monólogos muito fortes e impactantes (como o da jovem actriz Telma Cardoso).

A peça é uma “batalha pela memória, contra a erosão da memória”, destaca Rui Pina Coelho.

Gonçalo Amorim acrescenta: “É para provocar tensão, não desistir. A nossa matéria de trabalho é provocar o pensamento”.

O encenador admite que há muita influência do PREC, ainda hoje, no teatro português. Mas não só: apesar do tal “processo derrotado”, foi um “período fundador” em vários aspectos, como o exemplo da luta contra o fim das propinas – que ainda é assunto. “Foi uma pulsão de imaginação política extraordinária”, resume.

O espectáculo está em cena no Teatro Carlos Alberto de 3 a 6 de Outubro.

Nuno Teixeira da Silva, ZAP //

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1 Comment

  1. Se tivessem seguido até ao fim… PRECtugal seria hoje uma Biolorrússia, uma Albânia ou uma Venezuela. Seria tão bom……..

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