O populismo, em constante e notório crescimento nos últimos anos, divide mais os europeus que o facto de ser de direita ou de esquerda. Na atualidade, o aumento deste fenómeno, principalmente na direita europeia e nos Estados Unidos (EUA), influencia mais do que a ideologia política.
Na ciência política, o populismo é a ideia de que a sociedade se divide em dois grupos antagónicos – o “povo puro” e a “elite corrupta”, como explica o cientista político holandês Cas Mudde, autor do livro “Populism: A Very Short Introduction” (“Populismo: Uma Introdução Muito Breve”), citado num artigo da BBC Brasil, de março de 2018.
No mesmo artigo, Benjamin Moffitt, especialista em populismo na política, indica que a palavra é “geralmente mal utilizada, especialmente no contexto europeu”. Um verdadeiro líder populista representa a “vontade unificada do povo”, opondo-se “a um tipo de inimigo, que pode ser o sistema atual”.
Já o sociólogo alemão Wolfgang Streeck, crítico da globalização, afirma que a direita nacionalista tem crescido “ao explorar falhas do capitalismo neoliberal” que a centro-esquerda “é incapaz de reconhecer”.
Em entrevista à Época, em novembro de 2018, alertou para o facto de “muitas coisas diferentes” serem chamadas de “populismo”. “Na Europa, os partidos centristas falam do populismo para desacreditar novos partidos, de esquerda ou direita, que representem os cidadãos em questões das quais os centristas desistiram há muito tempo”.
A verdade é que os partidos e movimentos populistas interromperam o cenário político na Europa Ocidental, obtendo ganhos significativos nas urnas, como mostram o referendo do Brexit, no Reino Unido, e as eleições nacionais na Itália.
De acordo com uma análise do Pew Research Center, de julho de 2018, os sentimentos contra a ordem estabelecida que ajudam a alimentar a onda populista podem ser encontrados tanto à esquerda, como ao centro e à direita do espetro ideológico.
O estudo incluiu cerca de 16 mil indivíduos da Dinamarca, da Alemanha, da Holanda, da Suécia, do Reino Unido, da França, de Espanha e de Itália, e foi conduzido entre 30 de outubro e 20 de dezembro de 2017. Juntos, esses oito estados-membros representam cerca de 69% da população e 75% da economia da UE.
Neste relatório, os entrevistados foram divididos em seis grupos, com base no seu posicionamento ao longo do espetro ideológico da esquerda-centro-direita e em relação ao facto de expressarem apoio a visões populistas. A medida das opiniões populistas concentra-se, principalmente, nas atitudes contra a ordem estabelecida, que constituem um componente central de muitas definições de populismo.
A pesquisa revela que, em todo o espetro ideológico, as pessoas com uma visão populista sentem-se “mais frustradas” em relação as instituições tradicionais – como o parlamento nacional e a União Europeia (UE). É também esse grupo que está “mais preocupado com a economia” e “ansioso com o impacto dos imigrantes nas sua sociedade”.
Os populistas expressam também um maior apoio para o retorno de poderes ao seu governo nacional, em detrimento do compromisso europeu, do que os indivíduos que seguem as ideologias convencionais.
Segundo o Pew Research Center, estes indivíduos são também mais propensos a enfrentar dificuldades económicas, como o desemprego. “Talvez por causa dessa experiência, os populistas de esquerda, centro e direita estão muito mais insatisfeitos com a economia nacional e, em metade dos países pesquisados, mais predispostos do que seus pares com ideologias tradicionais a apoiar um governo que forneça assistência económica ao público”.
Além disso, os entrevistados com visões populistas – em qualquer lugar do espetro ideológico -, são “consistentemente mais negativos em relação aos imigrantes” do que os que detém uma ideologia tradicional.
Na Holanda, por exemplo, a probabilidade de a esquerda (tradicional ou com visão populista) afirmar que os imigrantes aumentam o risco de terrorismo é menor do que nos seus pares da direita. Os grupos populistas de centro e direita têm, geralmente, atitudes mais negativas sobre os imigrantes do que os tradicionalistas do centro e da direita.
As pessoas com visões contrárias às regras estabelecidas tendam, igualmente, a ter opiniões mais favoráveis de partidos populistas. Na França, 34% dos entrevistados da direita populista têm uma visão positiva da Frente Nacional (FN), em comparação com 21% daqueles da corrente principal da direita. Esse padrão foi encontrado em quase todos os partidos populistas englobados na pesquisa.
Apesar destes resultados, o Pew Research Center constatou que, independentemente de terem ou não uma visão populista, as pessoas tendem a favorecer os partidos que refletem a sua própria orientação ideológica.
A ideologia continua a ser um “fator poderoso”, com as diferenças de esquerda e direita a terem mais peso do que as simpatias populistas relativamente a certas questões, nomeadamente à forma como as pessoas vêem o envolvimento do governo na economia, os direitos LGBT e o papel das mulheres na sociedade.
Populismo em 2018
De acordo com o Relatório Anual 2019 da Human Rights Watch (HRW), apresentado a 17 de janeiro, em Berlim (Alemanha), os partidos populistas influenciaram a política europeia em 2018, tendo-se assistido a uma “abordagem oportunista” contra os migrantes no seio da União, nomeadamente em Itália, na Hungria e na Áustria.
“Apesar de as chegadas de migrantes e de requerentes de asilo terem diminuído para níveis anteriores a 2015”, verificou-se na UE uma “abordagem austera e frequentemente oportunista anti-imigração vinda de alguns governos”, indica o documento.
Segundo a HRW, também em 2018, “líderes populistas de estados-membros da UE usaram a questão da migração para criar medo e aumentar o apoio nas urnas”, com as suas divergências a bloquearem o acolhimento dos migrantes.
Os dados avançados pelo organização mostram que, durante esse período, “os partidos e ideias extremistas populistas voltaram a exercer uma enorme influência sobre a política europeia”, nomeadamente nos resultados eleitorais regionais na Hungria, em Itália, na Áustria, na Suécia, na Eslovénia e na Alemanha.
A par disso, “o partido populista continuou no poder na Polónia, apesar de ter perdido força nas eleições locais” e, na Alemanha, a agenda política “ficou marcada por ideias contra imigrantes, refugiados e muçulmanos”, aponta o relatório.
O documento sugere, porém, que a resistência a regimes autoritários está a “ganhar força”, tendência atribuída pelo diretor executivo da organização, Kenneth Roth, aos “mesmos populistas que espalham ódio e intolerância”.
“Poderíamos pensar que a defesa dos Direitos Humanos viria de países como os EUA, Reino Unido ou França, mas, na verdade, eles têm estado ausentes. [Donald] Trump está muito ocupado a acolher autocratas em vez de os combater, o Reino Unido está totalmente absorvido pelo Brexit e o presidente francês, [Emmanuel] Macron, tem falado muito, mas feito muito pouco”, disse à agência Lusa o responsável.
Contudo, segundo informou o Jornal Nacional, a 22 de janeiro de 2019, a Alemanha e a França assinaram um novo tratado de cooperação para fortalecer a UE e controlar o aumento do populismo e do nacionalismo.
“O novo tratado simboliza um impulso à Europa. [Angela] Merkel assinou [o acordo] por um sistema de defesa integrado e mais convergência económica e fiscal. [Emmanuel] Macron declarou que essa cooperação “é o que protege, de verdade”, o continente, lê-se no artigo do jornal brasileiro.
No seu relatório anual, a HRW nota ainda a existência de “uma crescente tendência global” para “confrontar os abusos de autocratas”. Essa resistência mobiliza “alianças de Estados, frequentemente com o apoio de grupos da sociedade civil”, com o público a liderar “a resistência nas ruas”.
Taísa Pagno, zap // Pew Research Center