“Está toda a gente exausta”. Política “zero covid” está a dividir a China

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Noel Celis / AFP

Após um mês sob confinamento restrito, a cidade chinesa de Xian está a retomar gradualmente a normalidade, mas o português Luís Pinto, ali radicado há dois anos, já está a pensar na próxima quarentena.

“O problema agora é apanhar duas quarentenas, porque a [variante] Ómicron é muito mais contagiosa e vai alastrar-se”, previu à agência Lusa o treinador de futebol.

“Depois de passarmos por esta quarentena, vai ser só uma questão de meses, porque Xian é uma cidade muito turística. É o centro cultural da China. Toda a gente quer vir cá visitar os Guerreiros de Terracota e passar férias”, descreveu.

Situada no centro da China, Xian foi colocada sob quarentena de facto em 22 de dezembro, após as autoridades detetarem um surto, provocado pela variante Delta do novo coronavírus.

Com uma população de 13 milhões de pessoas, a cidade registou mais de 2.000 infeções desde dezembro do ano passado. Esta semana alcançou os zero casos.

As medidas, as mais restritivas na China desde o isolamento da cidade de Wuhan, no início da pandemia, geraram críticas entre a população local.

As redes sociais chinesas foram inundadas com queixas de moradores que disseram não ter acesso a comida e outros bens de primeira necessidade.

Luís Pinto admitiu que houve um “período complicado”, quando os residentes deixaram de ter acesso a bens essenciais.

“Eles falharam muito naquilo que foi a assistência às pessoas”, apontou. “Houve pessoas, com crianças e recém-nascidos, que passaram fome”.

No caso mais trágico, uma mulher grávida de oito meses perdeu o bebé depois de ter sido negada entrada num hospital, por não ter resultado negativo para a covid-19.

A China pratica, desde o início da pandemia, uma política de ‘zero covid’, que implica a aplicação imediata de medidas de confinamento, testes em massa e restrições nas deslocações quando um surto é detetado.

A fórmula tornou o país pais populoso do mundo num exemplo de sucesso de saúde pública. Segundo dados do Governo chinês, desde o início da pandemia, 102.932 pessoas ficaram infetadas e 4.636 morreram. Em comparação, os Estados Unidos, o grande rival geopolítico e ideológico da República Popular, somou mais de 800.000 mortos.

Mas a insistência em medidas rígidas, quando o resto do mundo vislumbra uma fase endémica para a doença, começa também a dividir a opinião pública chinesa.

“Está toda a gente exausta”, disse à Lusa uma chinesa a viver em Pequim, após ser notificada pelas autoridades, pelo terceiro ano consecutivo, para que evite deslocações desnecessárias durante o Ano Novo Lunar.

O Ano Novo Lunar é a principal festa das famílias chinesas, equivalente ao natal nos países ocidentais, e, tradicionalmente, a maior migração interna do planeta. Para muitos dos cerca de 300 milhões de trabalhadores migrantes empregados nas prósperas cidades do litoral, esta é a única altura do ano em que reveem os filhos, que permanecem geralmente com os avós no interior do país.

Num outro caso a que a agência Lusa teve acesso, um morador de Pequim foi obrigado a cumprir um período de quarentena de 14 dias, depois de se ter deslocado por um dia, em trabalho, à cidade vizinha de Tianjin, onde entretanto foi detetado um surto, e apesar de ter testado negativo para o vírus.

No portal de perguntas e respostas Zhihu, semelhante à plataforma Quora, internautas chineses dividem-se face às medidas aplicadas.

“Basta olhar para quantas mortes existem nos países ocidentais. Sim, esta situação em Xian é lamentável, mas infelizmente devo dizer que algumas mortes são melhores do que alguns milhões de mortes”, apontou um internauta.

No campo oposto, um internauta questionou “por quanto tempo pode isto continuar? Não consigo vislumbrar um fim para a política de ‘zero covid’. Não estamos a resolver o problema, apenas a tentar pará-lo”.

Outro criticou a abordagem de cima para baixo que caracteriza a burocracia chinesa.

“Quando acontece este tipo de situações, ninguém ousa aceitar os pacientes com medo que um surto possa acontecer no seu hospital, o que significaria que a sua carreira política terminava ali”, descreveu.

Para Luís Pinto, a solução é estar atento.

“Da próxima vez que sentir que vem uma quarentena, vou-me pôr a andar”, disse. “Não vale a pena ficar aqui mais um mês parado”.

ZAP // Lusa

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