Ministra da Presidência acredita que penas mais pesadas para agressores “não é o caminho”

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Fernando Veludo / Lusa

A ministra da Presidência e Modernização Administrativa, Mariana Vieira da Silva

A ministra da Presidência e da Modernização Administrativa acredita que Portugal tem um “quadro legislativo robusto” para lidar com a violência doméstica e que a aplicação de penas mais pesadas “não é o caminho”. Para Mariana Vieira da Silva é fundamental que as mulheres que dela são alvo confiem no sistema, para que “se queixem e saiam da situação em que vivem”.

Em entrevista ao Público, a ministra indicou que para acabar com as mortes de mulheres em contesto de violência doméstica, “uma das coisas que é preciso fazer é conhecer os números ao detalhe, e essa é uma das missões da comissão técnica multidisciplinar criada recentemente pelo Governo”.

“Quando olhamos para os dados dos últimos anos verificamos duas coisas: de há dez anos para cá houve uma redução mas depois uma estabilização dos números. Temos alargado a rede de apoio a estas famílias e temos experiências muito bem-sucedidas, mas também problemas de relação entre os diferentes intervenientes do processo. Sejam as forças policiais, seja a rede nacional de acompanhamento, seja o Ministério Público”, referiu.

Mariana Vieira da Silva frisou que o foco é melhorar essas interligações, “coisa que se faz com troca de informação, com a harmonização de conceitos e com a criação de plataformas comuns”.

Por outro lado, continuou, os relatórios “também identificam [como problemática] a questão do apoio nas primeiras 72 horas após a apresentação da queixa da vítima por violência doméstica. Vai ser sobre essas 72 horas que procuraremos agir”.

Foi de Mariana Vieira da Silva que partiu a sugestão para que se assinalasse, pela primeira vez, um dia de luto nacional pelas vítimas de violência doméstica. As recomendações aprovadas pelo Governo para lidar com este crime e garantir mais apoio às vítimas, serão agora analisadas por uma equipa técnica multidisciplinar, liderada pelo procurador Rui do Carmo que, em três meses, deverá apresentar medidas concretas, indicou a ministra.

Sobre a criação de gabinetes de apoio às vítimas nos Departamentos de Investigação e Acção Penal (DIAP) anunciada pelo Governo, contou que foram assinados protocolos com a ministra da Justiça e organizações não governamentais, “para alargar esses gabinetes a mais seis DIAP”, situação que depende de terem equipas específicas para esta área.

Questionada sobre o facto de a secção do DIAP de Lisboa especializada na violência doméstica ter, neste momento, três procuradores ao serviço, e que só um deles é perito neste crime, disse que o ministério tem “noção que existe uma carência de especialização, por isso a prioridade é formar e especializar mais pessoas“.

“A comissão técnica multidisciplinar ficou de assegurar que a formação aos intervenientes nestes processos tenha módulos comuns aos magistrados, às forças policiais e à rede de apoio às vítimas. Através dos fundos comunitários teremos 6,5 milhões de euros para formação específica“, explicou.

Quanto aos 600 processos que o procurador que no Tribunal de Almada tem em mãos no momento, o Público perguntou se o mesmo pode ser responsabilizado caso num deles ocorra um homicídio, a ministra respondeu que a perspetiva “não é de responsabilizar individualmente nenhum dos intervenientes”.

O sistema de sinalização de vítimas “tem de permitir aferir da gravidade de cada queixa, porque nem todas são iguais. Existem classificações que permitem diferenciá-las. O acompanhamento que se segue à queixa deve seguir também esse nível de gravidade”.

Segundo Mariana Vieira da Silva, a generalidade dos relatórios de avaliação mostram que o quadro legal português é o “adequado”, possuindo os mecanismos necessários para afastar o agressor da vítima. “Não temos prevista neste momento nenhuma mudança nessa área”, disse. Em Espanha, estes agressores passaram por regra a ser presos preventivamente.

Embora já tenha admitido fazer “pequenas mudanças cirúrgicas na lei”, como indicou o Público, a ministra afirmou que a equipa de trabalho multidisciplinar pode vir a sugerir algumas alterações, mas a ideia “é a de que o quadro legislativo é robusto, não carece de nenhuma medida fundamental”.

“Uma das coisas incluídas na resolução aprovada em Conselho de Ministros é a possibilidade de viabilizar, no quadro da nossa Constituição (que proíbe tribunais especializados por crime) soluções destinadas a permitir que, num mesmo tribunal de competência mista, possam ser julgadas matérias de responsabilidade parental, violência doméstica e maus tratos”, declarou.

Relativamente a estar posta de lado um endurecimento das penas, como defende o CDS, Mariana Vieira da Silva assegurou que esse “não é esse o caminho” do Governo, acrescentando que “as penas existentes são as adequadas para responder ao problema”.

De acordo com o Público, “é comum as vítimas contarem tudo o que lhes aconteceu quando apresentam queixa na esquadra mas mais tarde eximirem-se a fazê-lo perante magistrados judiciais”, com a lei só a permitir a validação “dessas declarações iniciais para efeitos de julgamento com o consentimento do arguido”.

À ministra, o jornal indagou se é necessário alterar esta disposição legal, que também se aplica às violações. “Estão a ser estudadas medidas para que o registo inicial dessa queixa seja mais completo e possa passar a ser usado [em tribunal]”, respondeu.

Relativamente à retirada de pulseiras eletrónicas a condenados por violência doméstica por os juízes terem fundamentado mal a sua aplicação, apontou que a “lei tem potencialidades para resolver o problema”, sendo a a formação dos magistrados neste tema uma medida “muito importante”.

European Parliament / Flickr

Quanto à dimensão que ganhou o caso do juiz Neto de Moura, a ministra acredita que a mesma resultou “da crescente consciencialização da sociedade portuguesa em relação a este crime e da menor tolerância relativamente a discursos passados, antigos”.

“Estamos a assistir a maior escrutínio das decisões e a uma sociedade que evoluiu, o que é positivo. Mas também sabemos que ainda há trabalho a fazer, por exemplo na questão da violência no namoro e na forma como nas gerações mais jovens ainda persistem práticas que já podiam estar ultrapassadas”, completou.

“Se fosse vítima de violência doméstica sentir-se-ia segura caso o seu processo fosse parar às mãos do juiz Neto de Moura?”, inquiriu o Público à ministra. “O facto de termos criado uma equipa para analisar os casos que correram mal deve servir para corrigir, mas não para desvalorizar toda a rede de acompanhamento. Quando uma mulher apresenta queixa deve sentir-se segura, porque na generalidade dos casos corre bem”, reagiu Mariana Vieira da Silva.

A confiança no sistema “é fundamental para que as mulheres se queixem e saiam da situação em que vivem. No resto do debate não vou entrar. Nos últimos anos aumentámos o orçamento da rede de protecção das mulheres, que era cerca de quatro milhões e agora passou a cerca de seis. Aumentámos o número de casas-abrigo e de formas de atendimento. Houve 11 mil atendimentos no ano de 2017 e isso significa que estas mulheres tiveram uma resposta”, assinalou.

A ministra revelou que, na área da saúde, foram identificadas algumas questões, “como nem sempre ser usado o questionário que serve de instrumento de sinalização de casos”, estando o ministério da Saúde a trabalhar com as administrações regionais de saúde para melhorar isso.

Em relação às mudanças nos manuais escolares, a responsável pela pasta da Presidência e da Modernização Administrativa informou que foi lançada uma estratégia de educação para a cidadania, que produz conteúdos e recomendações às escolas.

“Relativamente aos manuais, existem mecanismos de acompanhamento. Que reagem, aliás, alguns com bastante peso noticioso, a esses casos, que têm vindo a diminuir”, notou.

Mariana Vieira da Silva indicou que o Estado tem meios de fiscalizar a paridade salarial entre homens e mulheres. “No mundo de hoje fica muito difícil justificar essa diferença. E a vergonha social tem efeitos muito poderosos. Expor a desigualdade é um instrumento de correcção muito forte. As coimas já estavam previstas no Código do Trabalho”.

Interpelada sobre a extensão dos horários das creches e o aumento dos apoios aos idosos serem caminhos a seguir, alegou que “não é expectável que as creches continuem abertas a partir de determinada hora”.

No programa de conciliação, estão “já inscritas 14 organizações da administração central, 13 câmaras municipais e 16 empresas privadas e oito públicas, que aderiram a pactos destinados a estabelecer respostas no capítulo da conciliação, nomeadamente em termos de horários de trabalho”, anunciou.

Ao Público, a ministra denotou que não se pode “olhar para as soluções que vamos encontrando como criadoras de novos problemas”.

“Não creio que tenhamos de olhar para todas as medidas destinadas a promover a igualdade como potenciadoras de novas desigualdades, nem que estejamos perante esse tipo de problema neste momento. Esse receio já foi invocado relativamente às quotas e a todos os outros instrumentos de discriminação positiva que a sociedade já construiu”, disse ainda.

TP, ZAP // Público

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5 Comments

  1. “as penas existentes são as adequadas para responder ao problema”????? epá, gostava de ver se esta boy(a) apanhasse como as outras apanham e o tipo levasse pena suspensa como manda a lei (- 5 anos) e continuasse a dar-lhe… a ver se ela falava assim.

    Penas mais altas SIM… JÁÁÁÁÁÁÁÁÁÁ

    Casas de correção para os agressores em vez de casas de abrigo para as vítimas… JÁÁÁÁÁÁ

    … E ISTO ACABAVA JÁÁÁÁ

  2. Lá porque a senhora ministra tem cara de anjinho também não será razão para ser tão benevolente. É preciso mais justiça em Portugal e também melhor forma da praticar, para se evitarem casos extremos, melhor seria certamente começar por conhecer as origens dos mesmos e procurar remediar atempadamente.

    • Exactamente; não é só aumentar as penas, porque nos EUA as penas são o que são e a criminalidade “só” é a mais alta da mundo “civizado”!…

  3. Como é que as mulheres podem confiar num sistema que não as defende? Até quando é que as vítimas (filhos incluídos) vão ser deslocadas do conforto das suas habitações e os agressores continuarem a viver tranquilamente nas mesmas?

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