Foi só uma vez e “não foi das mais gravosas”. Pena suspensa para pai que abusou sexualmente de filha de 4 anos

O Tribunal de Aveiro condenou um homem de 62 anos a uma pena suspensa de três anos e dois meses de prisão por abuso sexual da sua filha de 4 anos, alegando que se tratou de uma única situação e “não foi das mais gravosas”. Uma sentença conhecida no dia em que se assinala o Dia Europeu da Protecção das Crianças Contra a Exploração e o Abuso Sexual.

Durante a leitura do acórdão, a juíza presidente disse que o tribunal deu como provado o crime de abuso sexual de criança agravado de que o arguido estava acusado.

Mas, segundo a juíza, o tribunal teve em consideração que se tratou de uma única situação e “não foi das mais gravosas”. Além disso, pesou a ausência de antecedentes criminais do arguido, que também não tem contactos com a vítima.

Apesar de o arguido ter negado os factos, o tribunal teve em conta as declarações para memória futura da criança que “na sua simplicidade” conseguiu relatar o que aconteceu de forma “espontânea”.

Segundo a acusação do Ministério Público (MP), os abusos ocorreram em Julho de 2017, quando o arguido se encontrava sozinho em casa com a filha de 4 anos e uma neta da companheira, de meses, aproveitando o facto de a companheira se ter deslocado ao Hospital para receber tratamento médico.

A menor acabou por relatar o sucedido à mãe em Agosto de 2017, quando esta, na sequência de uma discussão com o arguido, decidiu abandonar a residência da família levando consigo as suas filhas e a neta.

Além da pena de prisão, o arguido foi condenado a pagar uma indemnização de dois mil euros, que a mãe pediu em nome da filha.

O arguido foi ainda condenado nas penas acessórias de proibição de exercer profissão cujo exercício envolva contacto regular com menores, de assumir a confiança de menor e inibição do exercício das responsabilidades parentais por um período de oito anos.

Abuso sexual acontece no “círculo de confiança da criança”

A maioria dos abusos sexuais em crianças acontece dentro de casa e o agressor é alguém do seio familiar ou da confiança da criança, alerta a presidente da Comissão Nacional de Promoção dos Direitos e Proteção das Crianças e Jovens (CNPDPCJ), Rosário Farmhouse.

Hoje assinala-se o Dia Europeu da Protecção das Crianças Contra a Exploração e o Abuso Sexual, uma data criada em 2015 pelo Conselho da Europa. O tema central deste ano é “Tornar o círculo de confiança verdadeiramente seguro para as crianças”, já que, na maior parte dos casos, os abusos são praticados por adultos conhecidos da criança e com os quais tem uma relação de proximidade.

“É importante estarmos todos atentos e fazermos o nosso papel enquanto adultos de ajudarmos e prepararmos as nossas crianças para o direito a serem respeitadas e a terem a sua privacidade e para serem protegidas de qualquer tipo de abuso”, defende Rosário Farmhouse.

Segundo os dados do Relatório Anual de Segurança Interna (RASI), em 2020 foram detidas 119 pessoas pelo crime de abuso sexual de crianças e outras 33 por pornografia de menores, entre outros crimes contra a liberdade e a autodeterminação sexual.

Apesar de não ser possível saber quantas denúncias foram feitas ou quantas crianças foram vítimas, o RASI revela que, no global dos inquéritos iniciados, 47,2% eram relativos a pornografia de menores e 27,9% a abuso sexual de criança.

As vítimas são sobretudo raparigas (76,9%), com idade entre os oito e os 13 anos (69,1%), e os agressores homens (92,9%), na faixa etária dos 31 aos 50 anos (42,9%), segundo o documento. Além disso, “prevalece o contexto da relação familiar enquanto espaço de relacionamento entre autor e vítima”, refere-se ainda.

Os dados do RASI demonstram que só em 12,2% dos casos o agressor é desconhecido da vítima, já que em 52,4% dos crimes o abuso foi levado a cabo por um familiar, havendo outros 22,3% em que a criança conhecia quem abusou dela.

Casos de abuso online estão a aumentar

A presidente da CNPDPCJ chama ainda a atenção para uma realidade que “tem sido notada e percepcionada”, mas sobre a qual “nem sempre é fácil de actuar”, que é o abuso online.

Este fenómeno “teve aumento muito exponencial, principalmente agora, durante os anos da pandemia” e tem merecido “grande preocupação”, já que acarreta “desafios enormes” pelo facto de acontecer virtualmente, aponta Rosário Farmhouse.

A responsável explica que falar de abuso sexual não se resume a violação, mas vai desde a exposição a conteúdos pornográficos, “toques que não são permitidos” ou até mesmo um certo tipo de vocabulário.

“Esta entrada na zona privada da criança faz com que a criança, não sendo protegida, venha a achar que aquele comportamento é normal, até porque vem de pessoas com quem tem relação de proximidade, e pode vir a deixar marcas profundas que podem tornar-se marcas para sempre“, alerta Rosário Farmhouse.

É importante “estar atento” aos sinais

“Muitas vezes as crianças dão sinais mais visíveis ou menos visíveis“, nota ainda, frisando que é importante criar uma relação de confiança que permita que fale do que a está a incomodar.

“Às vezes, os sinais podem ser a criança não querer ir visitar aquela pessoa sem motivo aparente, não querer estar perto daquela pessoa ou andar mais triste ou, por exemplo, crianças muito pequenas mostrarem comportamentos demasiado sexualizados para a sua idade”, exemplifica.

Para a responsável, é importante “estar atento”, mas também “ensinar as crianças de que devem ser respeitadas“, “que o corpo é delas e ninguém tem o direito de mexer no seu corpo”.

Rosário Farmhouse acrescenta que não cabe a cada um de nós aferir se é verdade ou não um possível caso de abuso e que mais vale denunciar do que perpetuar uma situação que coloque a criança em grande perigo.

A propósito do tema, e para assinalar a data, a CNPDPCJ divulgou um vídeo institucional, alertando a sociedade civil para um problema que é grave, de ampla dimensão e transversal a todas as classes sociais.

ZAP // Lusa

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