Ao conceder direitos jurídicos às suas icónicas ondas, famosas no mundo inteiro, uma cidade brasileira está a abrir um novo caminho para a proteção marinha.
A cidade brasileira de Linhares reconheceu legalmente as suas ondas como seres vivos — na que é a primeira vez que uma parte do oceano ganha personalidade jurídica.
No início de agosto de 2024, o município costeiro aprovou uma nova lei que confere às ondas na foz do rio Doce, que corre para a costa atlântica do Brasil, o direito intrínseco à existência, regeneração e restauração.
Isto significa que as ondas devem continuar a formar-se naturalmente e a sua água deve ser limpa, explica a Hakai Magazine.
A nova lei exige que a cidade proteja a forma física do rio, os ciclos ecológicos que tornam as ondas únicas e a composição química finamente equilibrada da água através de políticas públicas e financiamento.
Também codifica o respeito pelo papel cultural e económico das ondas na comunidade, explica Vanessa Hasson, advogada ambiental e diretora executiva da ONG brasileira Mapas, que defende o nascente movimento pelos direitos da natureza no país.
A cidade brasileira nomeou também guardiões para vigiar as ondas e agir como seus representantes nas decisões públicas.
As autoridades municipais selecionaram Hauley Silva Valim, surfista e cofundador da Aliança do Rio Doce, e dois outros com relações especiais com as ondas: um representante da comunidade indígena local e um membro da comissão de meio ambiente da câmara municipal.
As ondas agora protegidas são longas e tubulares — qualidades procuradas pelos surfistas — e famosas no mundo inteiro. Mas há cerca de oito anos, a comunidade local de surf, muito unida, começou a notar mudanças, e duas das ondas acabaram por deixar de rebentar.
Valim explica que as ondas da foz do rio Doce foram prejudicadas, em 2015, com rutura da barragem de Mariana, que devastou a região, matando 19 pessoas, inundando povoações e tornando-se notícia no mundo inteiro.
A barragem retinha resíduos de uma mina de minério de ferro perto da cidade de Mariana, no interior do Brasil.
Quando a barragem falhou, enviou uma enxurrada de lama e resíduos de mineração para o rio Doce, que se acumulou ao longo do tempo, alterando o fluxo do rio, reduzindo a sua potência e, eventualmente, enfraquecendo as ondas na sua foz. Só depois de uma grande cheia, em , é que essas ondas voltaram.
As ondas não foram a única vítima. As lamas castanhas tóxicas que se derramaram da barragem contaminaram peixes, plantas e vida aquática microscópica durante vários quilómetros a partir da foz do rio.
“Da pesca ao turismo todos os modos de vida foram afetados”, realça a ecologista Flavia Freitas Ramos, co-fundadora da Aliança do Rio Doce com Valim. Um grupo de cerca de 720.000 moradores afetados está a mover uma ação coletiva contra os proprietários da mina.
Hasson diz que o principal objetivo da nova lei é mudar a mentalidade e alterar as políticas públicas relacionadas com questões como a qualidade da água e a extração de recursos.
Em todo o mundo, cada vez mais governos estão a reconhecer que a natureza tem o direito intrínseco a existir e a ser defendido em tribunal. Em 2008, o Equador tornou-se a primeira nação a adotar a chamada lei dos direitos da natureza na sua constituição nacional.
Na última década, outros países seguiram o exemplo. O Bangladesh concedeu personalidade jurídica ao rio Turāg, enquanto a Nova Zelândia salvaguardou uma floresta, um rio e um vulcão extinto.
Recentemente, uma lagoa salgada na costa espanhola, denominada Mar Menor, tornou-se o primeiro ecossistema europeu a obter direitos legais.