Parlamento: “Retrate-se! Você não é digno!” vs. “O que é isto…?

António Cotrim / LUSA

Manuel Beja (ao centro), Filipe Melo (segundo à direita)

Filipe Melo e Manuel Beja num momento “quente”, recuperado na televisão. Mas Mariana Mortágua também apareceu depois.

As audições na Assembleia da República, relativas à comissão parlamentar de inquérito à TAP, têm originado diversos momentos dignos de artigos.

Uns originam muitos artigos, em todo o lado (os assuntos mais importantes); outros ficam um pouco mais escondidos (os assuntos menos importantes mas mais insólitos).

Na noite passada, Ricardo Araújo Pereira recuperou o momento mais tenso da audição com Manuel Beja, presidente do Conselho de Administração da empresa.

Mas houve (ainda) mais do que o que foi transmitido na SIC.

“Está a mentir”

O protagonista foi Filipe Melo. O deputado do Chega trouxe para a conversa o alegado caso de um trabalhador “empurrado” para rescindir contrato; e que foi castigado, ao trabalhar “abandonado” durante dois meses, numa sala de um piso vazio.

Manuel Beja começou por dizer que não sabia que isso tinha acontecido: “Parece-me uma prática incorrecta de todos os pontos de vista. Ficaria muito surpreendido se tivesse acontecido na TAP ou em qualquer empresa digna”.

Filipe Melo tinha um trunfo para este diálogo: “E se eu lhe disser que o senhor almoçou com este trabalhador, que lhe reportou (o trabalhador ao presidente) esta situação?”.

“Digo que o senhor deputado está a mentir”.

A resposta de Manuel Beja irritou – e de que maneira – Filipe Melo. O deputado do Chega repetiu que não “admitia” que o chamassem mentiroso. “Exijo que se retrate! Exijo que se retrate nesta sala!”.

O presidente da comissão, Jorge Seguro Sanches, pediu “moderação” a ambos. E pediu para que Filipe Melo continuasse a fazer perguntas.

O deputado recusou: “Não vou continuar sem que este senhor se retrate”.

O presidente do Conselho de Administração da TAP disse apenas: “Senhor presidente, agradeço a sua intervenção”. E olhou para o deputado, à espera de mais perguntas.

Filipe Melo insistia: só continuava a fazer perguntas se Manuel Beja fizesse um “retratamento público”. Não “tolerava” aquela “ofensa” – fosse a deputados, técnicos, assessores, jornalistas…

O presidente da comissão apelou ao “bom senso” e pediu para todos “passarem à frente este momento menos bom”. E porque não valia a pena “criar um caso” à volta disto.

“O que é isto?”

Cinco minutos depois do início desta confusão, e após cinco minutos sem qualquer pergunta a Manuel Beja, o deputado do Chega cedeu: “A bem do desenvolvimento da comissão de inquérito e a bem do país, vou prosseguir”.

“Mas este senhor vai responder noutras instâncias por um insulto proferido a um órgão de soberania, dentro da Assembleia da República!”, avisou.

Depois, sim, retomou o diálogo com o responsável da TAP: “Não lhe vou devolver o insulto. Mas vai ficar provado, vai ficar provado, que almoçou com esse trabalhador, que a informação lhe foi transmitida!”.

O senhor aqui dentro não pode mentir! E já o fez!”, continuou o deputado do Chega, antes de o ambiente se tornar ainda mais tenso.

A conversa aqueceu quando Filipe Melo atirou: “Não brinque com os trabalhadores da empresa!” – isto enquanto Jorge Seguro Sanches tentava desviar o assunto.

Mas o deputado insistiu: “Não brinque com os trabalhadores da empresa! Porque os trabalhadores da empresa, senhor doutor Manuel Beja, como gosta de ser chamado, os trabalhadores da empresa não recebem 168 mil euros por ano, para nem sequer conhecerem o estatuto de um gestor público! O senhor não é digno da função que exercia!”.

E aí ouviu-se a voz de Mariana Mortágua. Do outro lado da mesa, indignada, a deputada do Bloco de Esquerda virou-se para o presidente da comissão e perguntou: “O que é isto? O que é isto?” – apontando para o deputado do Chega.

Filipe Melo – que tinha ficado ofendido com o “insulto” e com a “ofensa” de Manuel Beja, por ter sugerido que estava a mentir – disse ao mesmo Manuel Beja que ele é que estava a mentir, apontou-lhe o dedo, disse que não é “digno” da sua função e começou a “atacar” sobre o seu salário.

O presidente da comissão voltou a (tentar) interromper: “Pedia-lhe moderação na forma como estamos a trabalhar”. “Dever da urbanidade”, apelou Jorge Seguro Sanches, avisando que não se pode “exceder”.

Quase 10 minutos depois do início deste momento, o presidente do Conselho de Administração da TAP confirmou que almoçou com um trabalhador que lhe contou, “com amargura”, o processo da sua saída da TAP. Mas, assegurou, o tal trabalhador nada contou sobre a forma como estava a ser tratado.

Tudo isto numa sessão em que as primeiras palavras de Mariana Mortágua foram: “A minha primeira nota de repúdio vai para…este ar condicionado. Que vem directo para quem está sentado deste lado”.

Nuno Teixeira da Silva, ZAP //

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