Não é um novo acordo, mas uma revisão: há palavras que deixaram de ser pronunciadas corretamente, e letras ou acentos que fazem falta, alertam especialistas.
“Os alunos, ao lerem um certo termo, já articulavam as palavras com algum emudecimento vocálico e até o apagamento de vogais pretónicas”. Assim conta o professor e responsável por um exame linguístico feito numa escola que tentou detetar efeitos do acordo ortográfico vigente, António Jacinto Pascoal, ao jornal Público.
Dá o exemplo da palavra “coletânea”, que antes se escrevia “colectânea”, e que muda a sonorização por causa de ter perdido o “c”.
“O texto do AO90 (Acordo Ortográfico de 1990) decreta a ortografia à luz da pronúncia culta. O problema é que não é um critério científico. E a prova de que não é um critério em que sequer haja consenso é que os dicionários e os prontuários não registam da mesma forma as palavras em matéria de cês e pês. Isto não é uma opinião, é um facto”, diz o revisor linguístico Manuel Monteiro.
“Não conheço nenhum acordo ortográfico que pusesse a ortografia ancorada na pronúncia”, comenta. Refere-se aos casos em que os “c” e “p” caíram porque não eram pronunciados, mas também às palavras como “convicção”, “ficção” ou “rapto”, em que estas letras não caíram porque são pronunciadas.
“Comecei a perceber que os alunos já não distinguiam uma série de palavras mais ou menos semelhantes, com a confusão de sentido que daí advém”, conta ainda António Jacinto Pascoal. Refere-se a palavras como “receção” e “recessão”, que passam a ser pronunciadas da mesma forma devido À queda do “p” na antiga palavra “recepção”. “Os alunos já não conseguem reconhecer determinadas ambiguidades”, comenta.
“O problema é que, quanto mais simplificamos, mais a empobrecemos. Este é, para mim, o grande problema. É como dar a um pintor a impossibilidade de usar uma série de cores. É retirar as cores a um instrumento ortográfico”, diz o revisor linguístico.
Há problemas também com hífens e acentos. Ana Salgado, presidente do Instituto de Lexicologia e Lexicografia na Academia das Ciências, admite um recuo no AO90 na palavra “para”, que antes se escrevia “pára”. “Porque não voltar a olhar para a questão e repor o acento se ele faz assim tanta falta?”, diz.
Agora, foi criado um grupo de trabalho que vai “aperfeiçoar” o acordo. “Há imensa gente que acha que o acordo ortográfico é irreversível. Não digo que o seja porque penso que seria possível, e é importante que se volte a discuti-lo”, diz António Jacinto Pascoal.