Pão ou preservativo? O dilema em tempos de crise

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Num país onde as meninas aprendem que “primeiro são mães e só depois são mulheres”.

A crise económica e social na Venezuela veio dificultar ainda mais a vida dos rapazes e raparigas que têm dificuldades para aceder a contracetivos e muitas vezes têm de escolher entre comprar pão ou um preservativo.

O alerta foi dado em Caracas pelo presidente da Associação Venezuelana para uma Educação Sexual Alternativa (Avesa), Mercedes Muñoz, insistindo que é necessário dar formação e ter um programa de educação sexual no currículo oficial.

Não há métodos contracetivos nos centros de planeamento familiar. Os preservativos são muito caros. Como se pode dizer aos rapazes ou raparigas para exigirem preservativos quando têm relações sexuais se não há com que comprar pão, o Estado não os dá e além disso há escassez”, disse.

Mercedes Muñoz falava à agência Lusa à margem de um debate sobre sexualidade que teve lugar na Faculdade de Ciências da Universidade Central da Venezuela.

“Há toda uma questão sobre as políticas públicas, onde se investe e para onde vai o dinheiro que este país produz (…), porque não há dinheiro para proteger as jovens mulheres, as adolescentes de uma gravidez na adolescência”, frisou.

Segundo a diretora da Avesa, a gravidez na adolescência “é uma via expedita à pobreza” porque quem tiver um filho aos 14 anos, tem o dobro de possibilidades de voltar a ter um filho na adolescência e uma maior possibilidade de ter mais filhos no seu ciclo de vida.

“Portanto, isso já é uma condição para entrar ou permanecer na pobreza”, frisou, precisando que quem tem um filho sabe o que significa cuidar bem dele (…), que isso é um enorme esforço económico, em formação e em tempo”, disse.

No entanto, explicou que “também ocorrem gravidezes nas classes média e alta”, mas aí “às vezes há mais recursos para tomar decisões, inclusive para interromper a gravidez, sem riscos”.

“Mesmo sem haver educação sexual formal nas escolas, no currículo (…) está comprovado que o simples facto de estudar tem um efeito positivo na redução das possibilidades de gravidez (…),  mas as raparigas desde há muito tempo que não estão a ir à escola e para ir necessitam de transporte” frisou.

A diretora da Avesa explicou ainda que há “raparigas que às vezes vão à escola, mas não têm o que comer” e alertou que além das escolas serem insuficientes as condições não são favoráveis, porque “não há água, e quando não há eletricidade não há aulas”.

Segundo Mercedes Muñoz, na associação trabalha-se na educação sexual de rapazes e raparigas, na prevenção da gravidez na adolescência e de infeções sexualmente transmissíveis.

Explicou que a Avesa tem um centro de apoio psicológico a vítimas de violência sexual, que atendeu 16.000 pessoas, desde a sua fundação, há 39 anos, “40% delas crianças e adolescentes”.

A associação insiste que é necessário um programa abrangente de educação sexual, financiado e patrocinado pelo Ministério da Educação, e que seja dada formação nas universidades.

“Algumas leis já existem, mas não se cumprem”, frisou, sublinhando que é preciso “entender a saúde sexual e reprodutiva como um assunto de direitos humanos” e uma questão que incide de maneira definitiva na população e nas coisas que a afetam.

Por outro lado, explicou que a Venezuela tem o mais alto índice de gravidez adolescente da América do Sul e que tem “um índice de moralidade materna alarmante”.

“Temos estado sempre muito conscientes de que o problema é muito grande e de que há muito poucos recursos formados e oferta de serviços (…) não há nenhuma carreira relacionada com questões de sexualidade, nem em psicologia, psiquiatria, nem em trabalho social, nem em educação”, disse.

Muñoz explicou ainda que o abuso sexual está definido como um crime na legislação venezuelana e que, “nas idades mais jovens, o número de meninas e meninos é bastante semelhante”, mas que à medida que crescem, na adolescência, há muitas mais vítimas do sexo feminino.

E acrescentou que “há poucos casos processados e castigados”, e que na Igreja Católica há casos de denúncias que não avançam e em que a posição institucional é transferir o sacerdote agressor.

Segundo Mercedes Muñoz na Venezuela “às meninas é-lhes ensinado de que primeiro são mães que mulheres”, mesmo antes de terem um projeto de vida e oportunidades de trabalho.

“No ano passado ocorreram 5.000 gravidezes de meninas de 14 anos”, explicou.

O custo de um pacote com três preservativos custa à volta de três euros nas principais redes de farmácias da Venezuela.

// Lusa

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