As promessas contraditórias do Reino Unido sobre quem controlaria a Palestina após a Primeira Guerra Mundial estão na origem da violência que a região está a viver até hoje.
De vez em quando, somos relembrados do conflito entre a Palestina e Israel quando ocorre uma nova escalada de tensão e um consequente banho de sangue. Mas o vasto e longo contexto histórico da guerra fica muitas vezes de fora da cobertura mediática dos acontecimentos.
Na verdade, as sementes do choque israelo-palestiniano que se arrasta até hoje foram plantadas há mais de 100 anos pelo colonialismo europeu, mais especificamente pelo Reino Unido.
A terra prometida a tudo e todos
Desde o século XVI que a região da Palestina estava sob a alçada do Império Otomano, até que o início da Primeira Guerra Mundial mergulhou a superpotência numa grande incerteza.
Na busca de aliados, os ingleses começaram prometer várias partes do Império Otomano a quem os ajudasse a derrotar o Império. O problema surgiu quando os britânicos começaram a prometer a mesma região a vários grupos, com a Palestina a ser oferecida aos árabes, aos judeus e aos franceses.
Um dos documentos-chave que suportam a causa palestiniana é a Correspondência McMahon-Hussein, referente a uma série de 10 cartas trocadas entre Henry McMahon, o Alto-Comissário britânico no Egipto, e Hussein bin Ali, Xarife de Meca, entre 1915 e 1916. Nas cartas, Hussein bin Ali aceitou avançar contra os otomanos em troca do apoio britânico à formação de um país independente na Palestina.
Ao mesmo tempo que negociavam uma aliança com os árabes, os ingleses assinaram o Acordo Sykes-Picot em 1916 com a França e com o conhecimento da Rússia. O documento secreto determinava como os Aliados iriam dividir o Império Otomano entre si e indicava que a Palestina seria administrada sob um regime internacional — dada à sua importância religiosa e histórica para várias comunidades — com a Inglaterra e a França a partilharem algum grau de supervisão na região.
A polémica Declaração de Balfour
Como se dois planos diferentes para a Palestina não bastassem, os ingleses causaram surpresa no mundo árabe a 2 de Novembro de 1917, quando assinaram a Declaração de Balfour, onde se comprometiam a estabelecer um “lar nacional para o povo judeu” na Palestina.
Até hoje, não se sabe ao certo o que motivou o apoio súbito dos ingleses aos sionistas — um movimento internacional que defende a criação do Estado judaico de Israel na Palestina — especialmente dado que, em 1917, os judeus representavam apenas cerca de 3% da população na região.
A questão já alimentou várias teorias entre os historiadores, com alguns a sugerir que os ingleses queriam agradar aos judeus sionistas nos Estados Unidos e na Rússia, na esperança de que estes usassem a sua influência para pressionar os seus Governos a continuar na Primeira Guerra Mundial.
Outros especulam que vários membros do Governo britânico eram eles próprios sionistas ou que o crescimento do anti-semitismo na Europa levou a que Londres decidisse quer era melhor dar um lar seguro aos judeus.
A própria linguagem da Declaração de Balfour continua a ser contestada até aos dias de hoje, dado defender a criação de um “lar nacional” em vez de um “Estado”, o que deixa a sua interpretação em aberto.
O falecido Awni Abd al-Hadi, uma figura política palestiniana e nacionalista, condenou a Declaração de Balfour nas suas memórias, dizendo que esta foi emitida por um estrangeiro inglês que não tinha legitimidade para decidir sobre a Palestina.
Com o fim da Primeira Guerra Mundial e a queda do Império Otomano, teve início o Mandato Britânico da Palestina — uma entidade geopolítica sob administração britânica que assumiu a gestão da Palestina.
Se até então a convivência entre os árabes e os judeus na região era pacífica, as promessas contraditórias dos ingleses começaram a acender a tensão, com os palestinianos a sentirem-se traídos e a protestar em massa contra a imigração judaica, que aumentou sob o Mandato Britânico.
Imigração em massa de judeus
Ao longo das décadas seguintes, milhões de judeus começaram a mudar-se em massa para a Palestina devido a vários factores políticos e sociais:
- Incentivos dos britânicos: o Mandato Britânico criou grandes quotas migratórias para judeus e colaborou de perto com grupos sionistas.
- Oportunidades de Emprego: O governo do Mandato incentivou o desenvolvimento agrícola e industrial na Palestina, o que, por sua vez, criou oportunidades de emprego que atraíram imigrantes judeus.
- Perseguição na Europa: O aumento do anti-semitismo, muito à boleia do crescimento do nazismo na Alemanha e do subsequente genocídio quando Hitler chegou ao poder, obrigou muitos judeus a fugir.
- Comunidade e Identidade: A possibilidade de viver numa comunidade judaica, onde os judeus poderiam celebrar abertamente as suas tradições culturais e religiosas, tornava a Palestina um destino particularmente atraente.
“Foi um caos”
O domínio britânico da Palestina foi tudo menos pacífico e a repressão era frequente. Os pais de Eid Haddad eram adolescentes quando testemunharam a força utilizada pelas tropas britânicas na Palestina em 1938.
“Eles viram as tropas entrarem e atacarem as pessoas. O meu pai contou-me que bateram com um martelo de madeira usado para picar carne, chamado de ‘modakah’ em árabe, na cabeça de um homem, e ele morreu. Outro homem e o seu filho estavam pendurando folhas de tabaco para secá-las. Eles simplesmente foram baleados pelas costas. Foi um caos”, recorda Haddad à BBC.
Os palestinianos não foram as únicas vítimas, havendo também relatos de violência contra os judeus. No meio de uma rebelião das milícias sionistas, o Reino Unido chegou a repelir navios com judeus que estavam a fugir do Holocausto.
“Os britânicos não sabiam como lidar com essas coisas. Eles trataram a Palestina como se fosse um animal de estimação. É bom tê-la, mas realmente não deveria causar muitos problemas”, afirma o historiador israelita Tom Segev.
Sem fim à vista
Dois anos após o fim da Segunda Guerra Mundial, em 1947, o Reino Unido passou a batata quente da gestão da Palestina para a recém-formada Organização das Nações Unidas (ONU), que teve de tomar uma enorme decisão sobre quem ficaria com o controlo do território.
Em 29 de novembro de 1947, a Assembleia Geral da ONU aprovou a Resolução 181, que recomendava a divisão da Palestina em dois estados independentes, um árabe e um judeu, com Jerusalém a ser a capital de ambos e a ficar sob administração internacional.
O plano dava 55% do território a Israel e 42% ao Estado da Palestina, apesar de 67% da população da região ser árabe, contra cerca de 33% de judeus. Embora os judeus tenham aceite o plano de divisão, ele foi rejeitado pelos árabes, tanto na Palestina como nos estados árabes vizinhos.
Apesar da oposição dos árabes, o plano foi aprovado e, pouco depois, o Estado de Israel foi oficialmente reconhecido, a 14 de Maio de 1948 — um dia que ficou conhecido como Al-Nakba para os palestinianos, que se traduz para “a catástrofe”.
O nascimento de Israel fez estourar a Primeira Guerra Árabe-Israelita, que os israelitas ganharam em 1949. O resultado deste conflito foi a expansão territorial de Israel além das fronteiras determinadas pela ONU e a expulsão de mais de 750 mil palestinianos das suas casas.
Esta expansão continua a aumentar até aos dias de hoje, com os israelitas a construir colonatos ilegais na Cisjordânia, que é internacionalmente reconhecida como parte do território palestiniano.
Por estes dias, a história volta a repetir-se, com a região a viver mais um capítulo sangrento na sua longa história de conflito.
Parabéns à autora pelo texto conciso mas bem estruturado e que permite uma visão mais clara do que se passou e que agora culmina em mais um momento trágiconesta história que parece não ter fim à vista…
…este sim é um excelente artigo, faltam eventualmente algumas observações sobre a forma como cada um dos lados exerceu a sua pressão, quase sempre de forma extremamente sangrenta e desumana, dos apoios internacionais que foram surgindo que radicalizaram ainda mais a contestação apesar de algumas tentativas muito pouco convincentes de reconciliação, das duas autoridades que administram de forma diferente Gaza e Cisjordânia, até porque dada a complexidade da questão há sempre muito mais para quem quiser realmente tentar entender porque é que o injustificável se tornou inevitável, mas parabéns, há muito que não lia algo tão bem elaborado por aqui.
Excelente artigo caro ZAP. Faltava só colocar a evolução do mapa de Israel/Palestina desde esse altura (isso está facilmente disponível em vários sites da internet). De relembrar que, historicamente, segundo reza a lenda, os judeus moravam nessa região há 2000 anos mas foram expulsos pelos romanos, certo?
Em resumo, toda esta guerra se teria evitado se os Árabes tivessem aceitado o acordo posposto pela ONU em
1947. Foram gulosos, recusaram esse acordo, e depois tentaram entrar em guerra com Israel várias vezes, incluindo a guerra dos 6 dias em 1967 na qual vários países árabes tentaram invadir Israel. Como sempre foi desde o início da humanidade, quem perde uma guerra perde território.
Israel fez o que tinha que fazer para proteger a sua própria existência. Convém não esquecer que o Hamas tem declarado no seu manifesto, preto no branco, que o seu objectivo número 1 é a completa e total destruição de Israel, e está escrito explicitamente que nenhuma solução pacífica ou de compromisso será aceite.
Quem semeia ventos, colhe tempestades.
Segundo o texto, que está em bom português,a proposta de divisão apresentada pela ONU consistia em 55% de território para a formação de Israel e 42% para a Palestina, apesar de 67% da população ser árabe e apenas 33% ser judia. E os árabes é que foram gulosos? Talvez se a divisão tivesse sido exacta, todo o processo tivesse corrido melhor. Isso e Israel não ter tido sempre o apoio militar incondicional dos EUA, ( que ao invés deveria sim, ter promovido a mediação enérgica para a paz). Com as calças do meu pai sou um homem!
Muito bom trabalho. Não é nada de novo. é historia com registo documental. Pois registos históricos com 2000+ anos de fronteiras que já não existem. Pois na realidade São linhas muito dinâmicas ao longo dos tempos (movem-se, conquistam-se, perdem-se, …..) O mesmo se passa com as movimentações e massas Humanas (desde o seu berço (Africa)) sempre para Norte, fugidos, transportados como escravos, expulsos, encurralados e outros factores e razões plausíveis).
Mas sim. Esta história tem 100 anos, um passado muito recente (Não vamos muito para trás. Pois perdemo-nos nas imensas histórias parecidas). Esquecemo-nos da aglutinação de Union Kingdon, do sofrimento muito recente dos irlandeses ( https://www.bbc.com/portuguese/internacional-46540382 “Por que é que as fronteiras são um tema sensível? O acordo de paz de 1998 que pôs fim a três décadas de sangrentos conflitos entre a República da Irlanda (país independente e membro da UE) e a Irlanda do Norte (parte do Reino Unido) contempla a ausência de barreiras físicas entre os dois lados) . Espanha unida, quantos anos tem? Itália a união das chamadas Cidades Estados/ Republicas. E a restante Europa. Não acaba por aqui. Lembrem-se disto.
De qualquer forma esta Europa Velha centro nevrálgico das sucessões, além continente (dizimou nativos nas américas e africas e asia, pôs e dispôs, guerras mundiais. Esta Europa tenta a todo o custo evitar conflito no seu seio (França, Alemanha, Inglaterra, Itália, restantes são compadrio). É na realidade uma Civilização com um peso elevado e estatuto de conhecimento através dos seus erros.
Mas sim, tem aqui um Culpado. Inglaterra e não Só. E depois criam-se instituições internacionais (são as “marionetes”) para apaziguar estes conflitos.
Se ps árabes tivessem aceite a res. 181…
Não, Nina
apesar da decisão da ONU não ter sido justa por esse prisma que menciona houve outros factores que levaram a essa decisão (esta divisão foi a segunda, a primeira dava mais território aos arabes e ainda assim foi recusada pelos próprios) portanto não é uma questão de justiça por detrás desta recusa de acatar a decisão da ONU e sim ideologias.
Isto é uma guerra que ninguém nesta fase tem razão mas a verdade é que a paz naquela zona passa pelos países arabes cederem e aceitarem um estado de Israel e NEGOCIAREM as condições em vez desta “birra ideologica/religiosa/histórica”.
Na prática, o território é para ser partilhado
Tudo que nasce torto… na minha opinião a vítima desta embrulhada é o povo da Palestina! A única razão pela qual não têm nenhum apoio da comunidade internacional é simples: não têm riqueza, não têm poder! Quanto a israel, não vão descansar enquanto não exterminarem este povo! O genocídio está bem patente nas palavras dos políticos de israel!