Dúvidas têm levado as empresas a pagar um valor fixo aos seus trabalhadores ou a recusar essa possibilidade por completo.
Apesar das novas regras relativas ao teletrabalho já terem entrado em vigor a 1 de janeiro, persistem as dúvidas sobre a sua aplicação, nomeadamente quando há trabalhadores na mesma morada. Nestes casos, o Estado recomenda a celebração de acordos entre os vários empregadores desses mesmos teletrabalhadores. No entanto, os advogados entendem que esta poderá ser uma solução difícil de ser implementar, com o risco de ser problemática, no que à proteção de dados.
A dúvida surge no momento em que o teletrabalhador, no momento de comparar as suas despesas do momento atual ao mesmo mês do último ano anterior à adoção do teletrabalho – fórmula indicada para apurar o valor das compensações. Fica, assim, por esclarecer, como resolver a questão quando existe mais do que uma pessoa no mesmo agregado familiar nesta situação, ou seja, em trabalho remoto.
Segundo a Direção-Geral da Administração e do Emprego Público, que divulgou uma série de esclarecimentos para os trabalhadores do setor público, a análise das despesas do teletrabalho “terá de ser feita casuisticamente”, para evitar a duplicação da compensação destas despesas. “Para efeitos da repartição das despesas adicionais pela eventual pluralidade de empregadores envolvidos deverá atender-se ao período normal de trabalho diário de cada teletrabalhador, às necessidades de utilização da rede que o teletrabalho de cada um em concreto exige (capacidade, velocidade, etc), entre outros fatores que só em concreto são possíveis de concretizar.
A entidade acrescenta ainda que, nestes casos, e “por uma razão de certeza e segurança jurídica”, é aconselhável que seja “preestabelecido um acordo de pagamento entre os vários empregadores e os respetivos trabalhadores”. No entanto, os advogados consultados pelo Eco entendem que esta solução pode ser uma problemática, no que respeita à proteção de dados.
Sérgio de Mesquita Dinis, da Comissão de Direito Laboral da Associação Internacional de Jovens Advogados de Língua Portuguesa e advogado da Eversheds Sutherland FCB, entende que a “fixação de um acordo entre os vários potenciais empregadores envolvidos não só parece de difícil execução, como nos afigura irrelevante para efeitos da relação laboral em causa, que é estabelecida com o concreto trabalhador, obrigando por isso ao envolvimento do mesmo e não dos demais empregadores.”
Esta visão é partilhada por Isabel Araújo Costa, advogada do Departamento de Direito do Trabalho e Segurança Social do escritório Antas da Cunha Ecija & Associados, que considera que o “Estado lançou o repto”, mas não disponibilizou as “ferramentas ou meios mais idóneos para que este acordo que recomenda entre vários empregadores seja exequível, na prática”. A advogada prossegue, explicando que não resulta da lei a imposição ou imperatividade da troca de informação entre a potencial pluralidade de empregadores que terão de pagar as justas despesas analisadas em concreto”.
“Veja-se, o artigo 6.º do Regulamento Geral sobre a Proteção de Dados prevê que o tratamento de dados é lícito se estiver em causa o cumprimento de uma obrigação legal. Ou seja, se for entendido que a partilha destes dados tem como objetivo cumprir obrigações legais no âmbito de legislação imperativa de direito do trabalho, talvez possa encontrar-se aqui um caminho“, sugere.
O Ministério da Modernização do Estado e da Administração Pública esclareceu ao jornal que que os funcionários do Estado deverão receber o pagamento das despesas suportadas no início do ano em fevereiro. Questionado sobre quantos acordos já havia estabelecido com outras organizações patronais para a divisão das despesas relativas aos seus trabalhadores, o organismo ainda não deu qualquer resposta.
Já Ana Mendes Godinho, ministra do Trabalho e da Segurança Social, esclareceu que não está prevista a publicação de qualquer regulamentação para esclarecer a questão. Serão apenas “clarificadas a cada momento as dúvidas que vão surgindo”, apesar de tal não ter acontecido até ao momento presente.
No que respeita ao setor privado, a bastonária da Ordem dos Contabilistas Certificados disse ao Eco que há empresas que, perante estas dúvidas, optaram por pagar um valor fixo aos teletrabalhadores para cobrir as despesas adicionais, apesar de haver outras que, até agora, não pagaram qualquer valor aos trabalhadores, já que estes não conseguiram comprovar o acréscimo de despesas.