Os sistemas inibidores do cérebro são removidos, abrindo as portas a “novas dimensões da realidade”, deduzem investigadores em novo estudo.
Alguns pacientes que sofreram uma paragem cardíaca e foram reanimados experienciaram memórias lúcidas do seu tempo passado como “mortos”, segundo o seu registo de padrões cerebrais únicos associados ao pensamento e à memória.
O estudo — publicado na revista Resuscitation a 14 de setembro e liderado pela Escola de Medicina da Universidade de Nova Iorque — foi realizado em colaboração com 25 hospitais dos EUA e do Reino Unido e examinou 567 pacientes que sofreram paragem cardíaca em ambiente hospitalar.
Apenas 10% recuperaram o suficiente para ter alta, mas quatro em cada 10 dos sobreviventes relataram algum grau de consciência durante a sua reanimação que não pôde ser explicado por medidas padrão.
Os investigadores descobriram ainda algo surpreendente recorrendo à tecnologia de electroencefalograma (EEG): quase 40% dos pacientes estudados mostraram atividade cerebral normal ou quase normal até uma hora durante a reanimação cardiopulmonar (RCP), contrariando a crença há muito estabelecida de que o cérebro sofre danos irreversíveis aproximadamente 10 minutos após a paragem cardíaca.
Os dados do EEG mostraram picos em ondas cerebrais ligadas a funções mentais superiores, como ondas gama, delta, teta, alfa e beta.
Os sobreviventes relataram frequentemente experiências únicas e lúcidas durante situações de quase-morte. Segundo os investigadores, estas experiências são diferentes de alucinações, sonhos ou quaisquer outros tipos de consciência induzidos pela RCP.
Os cientistas colocam a hipótese de que, à medida que o cérebro “morre”, os sistemas inibidores são removidos, fornecendo acesso a “novas dimensões da realidade”, incluindo a recolha lúcida de memórias armazenadas, desde as mais antigas da nossa infância até ao momento da morte.
O estudo, denominado AWARE-II, levanta questões significativas sobre a consciência humana, a mortalidade e a própria natureza da morte. O investigador principal, Sam Parnia, afirmou, segundo o Science Blog, que a descoberta “abre portas para uma exploração sistemática do que acontece quando uma pessoa morre”.
As descobertas, diz Parnia, também poderão ter aplicações mais práticas, como a conceção de novos métodos para reiniciar o coração, prevenir lesões cerebrais ou até implicações para transplantes.
A pesquisa incluiu apenas pacientes hospitalizados para manter a padronização nos métodos de RCP e de gravação da atividade cerebral. Cerca de 126 outros testemunhos de sobreviventes da comunidade também foram analisados para oferecer mais perspetivas sobre a experiência da morte.
Embora o estudo não confirme ou refute a realidade das afirmações e experiências dos pacientes em relação à morte, enfatiza a necessidade de investigação empírica.
Alguns estudos realizados com animais mostram que, de facto, há um aumento da atividade cerebral durante a morte.
Um estudo publicado em maio na Proceedings of the National Academy of Sciences foi estudar essa atividade em seres humanos, e revelou um padrão semelhante no cérebro humano.
Os investigadores analisaram 4 pacientes em coma que morreram na Unidade de Terapia Intensiva do Hospital da U.Michigan.
Segundos após a retirada do suporte de vida, dois dos pacientes exibiram uma onda de atividade neurofisiológica caracterizada por mudanças em várias “bandas” de ondas cerebrais diferentes.
As ondas gama de alta frequência, associadas ao foco e concentração, e as ondas beta de baixa frequência, associadas à atenção e perceção, não só sofreram um aumento proeminente como se acoplaram em várias regiões do cérebro.
Registaram ainda um aumento transitório na conectividade funcional em várias bandas de frequência da chamada “zona quente” na parte posterior do cérebro, que compreende várias áreas na junção dos lobos temporal, parietal e occipital — região considerada fundamental para o processamento da consciência.