Os gatos já foram reis da Marinha: previam tempestades e tinham subsídio de alimentação

Tinham nome, uniforme e funcionavam como “barómetros peludos”. Mais do que talismãs dos marinheiros, os gatos tiveram o seu papel na história da marinha e foram para o mar há quase tanto tempo como os humanos.

Tinham nomes como Tom, o Terror, Wockle, Bounce e Dirty Face. Viajaram milhares de quilómetros nos navios de guerra mais famosos. Eram membros da tripulação altamente valorizados: tinham uniformes personalizados em miniatura e até as suas próprias redes minúsculas.

Muitos nunca puseram uma pata em terra firme durante toda a sua vida, conta a National Geographic.

Já no Antigo Egito se pintava nas paredes imagens de gatos nos navios, e podem ser mesmo literais, e não uma das suas famosas “animalizações” de deuses — certamente os gatos já andavam em alto mar por essa altura. E porquê?

A resposta está noutra espécie, responsável pela transmissão de doenças avassaladoras para a Humanidade: os ratos.

Era necessário, portanto, uma solução barata para acabar com esta espécie tão temida, e é aí que entram os felinos.

O governo dos Estados Unidos, num esforço para proteger também os documentos que seguiam nos navios dos ratos, que faziam ninhos, começou a comprar ninhadas de gatos no século XIX,fornecendo-os à Marinha dos Estados Unidos.

No Reino Unido, um dos primeiros e maiores programas de salvamento de gatos ocorreu durante a Primeira Guerra Mundial, quando milhares de gatos vadios foram recolhidos nas cidades e entregues aos militares.

Os gatos eram fornecidos à Royal Navy e até recebiam um “subsídio de alimentação” semanal  para pagar as suas guloseimas. E depressa os amigos dos marinheiros se tornaram mais do que companheiros de viagem: a Marinha começou mesmo a atribuir-lhes superstições e características sobre-humanas.

Por exemplo, os primeiros marinheiros acreditavam que os gatos podiam controlar o tempo com as caudas. — quando se contorciam de uma certa forma, pensava-se que isso significava que os gatos estavam zangados e se preparavam para desencadear uma tempestade violenta que em breve se abateria sobre o navio.

Os marinheiros aperceberam-se de que os gatos torciam as caudas quando estavam agitados por uma súbita queda da pressão atmosférica, o que indicava que o navio estava a dirigir-se para um clima desfavorável. Eram então, de certa forma, “pequenos barómetros peludos“, como os caracteriza a National Geographic.

Achava-se também que era boa sorte quando, antes de um navio zarpar, entrava um gato para bordo. No entanto, se se vissem dois gatos a lutar no cais, acreditava-se era um mau presságio: um anjo e um demónio já tinham começado a lutar pelas almas da tripulação.

E os gatos eram, na verdade, um companheiro perfeito para alto mar — raramente ficavam doentes (ao contrário dos humanos, que morriam às dezenas com escorbuto), já que produzem a sua própria vitamina C e podem sobreviver com uma dieta composta por peixes e mamíferos sem precisarem de comer frutas e legumes.

Alguns chegaram mesmo a perder o medo da água e a aventurar-se no mar para caçar o seu alimento preferido. Têm ainda um excelente sistema de filtragem interna que lhes permite beber um pouco de água do mar, se necessário.

Os gatos tinham mesmo uma espécie de hierarquia nos navios: os mais “espertos” acabavam por “reclamar” a cozinha, ficavam mais gordos e eram os que recebiam mais atenção. E os felinos, tal como os humanos, também ficavam com enjoos: era-lhes, então, permitido dormir em redes que reduziam o balanço dos navios.

Uma vez que os gatos, que por vezes chegavam a ser cerca de 20 por embarcação, eram considerados mascotes dos marinheiros, também ajudavam a criar laços entre a tripulação.

Os animais são difíceis de treinar para fazer truques, mas alguns marinheiros garantem que aprenderam a “falar gato” e conseguiram fazer com que as suas mascotes realizassem proezas como ficar em sentido, fazer continência, andar sobre cordas e tocar sinos.

Este facto contribuiu especialmente para os esforços  da Marinha dos EUA em portos estrangeiros, quando os habitantes locais eram convidados para passeios de navio que incluíam um breve espetáculo com gatos.

Após o fim da Segunda Guerra Mundial, a posição especial que os gatos ocupavam nos navios da marinha começou a declinar rapidamente. Devido a melhorias no controlo de pragas, os gatos tornaram-se obsoletos na sua função principal de livrar os navios de parasitas.

Começou também, nos EUA, a reduzir-se os gastos da Marinha. Os membros do Congresso que defendiam cortes profundos na defesa ridicularizaram os almirantes, e chegaram mesmo a acusar um navio de ter utilizado os recursos de um comité de três homens para organizar o funeral do seu gato mascote.

Os custos de manter gatos, que também serviam para manter a moral, eram nominais (e muitas vezes pagos pelas próprias tripulações), mas os almirantes começaram a sentir-se embaraçados por dar ao público a impressão de que a Marinha estava a gastar dinheiro desnecessariamente.

Para além disso, as leis promulgadas pela maioria dos países após a guerra proibiam os gatos de saírem de um navio antes de passarem por um longo período de quarentena. Se as autoridades locais apanhassem um gato a sair do navio, o capitão poderia ser multado ou mesmo preso.

Hoje, é necessária uma autorização especial para levar gatos para as embarcações, e a prática caiu totalmente em desuso — para grande pena dos amantes de felinos, bichos que podiam ainda, quem sabe, levantar a moral dos que passam meses longe da terra.

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